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domingo, 17 de outubro de 2010

47 - Miragaia, os Arménios e S. Pantaleão

Voltamos a Miragaia para tentar ilustrar a história dos Arménios e a Lenda de S. Pantaleão. Mas é preciso muito cuidado, pois há coisas recentes, escritas por quem sabe. E eu só sei de caminhos e andanças. Melhor mesmo, para quem estiver interessado nestas vidas, é ler teses apaixonantes, cujos caminhos indicarei na altura devida.
Mas vamos começar por um lado e "ós pois" logo se verá.
Miragaia tinha nos seus remotos tempos e até ao séc. XIX, uma praia no rio Douro, provavelmente com um bom porto, onde já os Romanos ancoravam. Mas como toda a margem direita tinha bons ancoradouros, antes talvez os Celtas, Iberos, Fenícios, Gregos, Cartagineses também por aqui tenham poisado e comercialisado. À esquerda na foto, a Alfandega Nova que comeu a praia. Claro que a Rua (Nova da Alfandega) também, ao mesmo tempo que cortava e interrompia a Velha Rua de Miragaia, que vinha lá de Monchique.
Uma foto de há 100 anos de Arnaldo Soares (ou de Alberto Ferreira) mostra-nos praticamente esta parte de Miragaia, tal como é hoje. As casas sobre as arcadas eram residências pertença de uma certa burguesia. Que a partir dos anos 60/70 do século passado foi sendo desalojada para a instalação de escritórios e armazéns dos agentes comerciais ligados ao transito alfandegário.
Isto vem ao caso para lembrar que a Cidade do Porto teve desde "antiquissimamente" (palavrão que o portuense gosta de ter na sua gíria) um forte relacionamento marítimo-comercial com a Europa do Norte e depois com o mundo oriental.
Por alguma razão os Descobrimentos Portugueses tiveram nesta cidade o seu impulso. Dos estaleiros portuenses saíram muitos dos Barquitos que andaram à séria por esse mundo fora a partir do séc. XIV. Mas muito antes já frotas tinham seguido por rios e mares, que para além do comércio, aproveitavam para dar cabo da cabeça a mouros e a simpáticos piratas que lhes apareciam pela proa.
Ora sendo assim, conhecendo a fama da Cidade, um grupo de comerciantes Arménios (e também Gregos, segundo uns), fugidos das perseguições de Constantinopla, aportaram em Miragaia em 1453, onde se refugiaram. Nota à parte: Sabemos que desde a antiguidade os Arménios foram sempre perseguidos. Na primeira vintena do séc. passado, mais de um milhão foi massacrado e tantos outros refugiaram-se pelo mundo. Argentina e Brasil terão as maiores colónias de emigrantes Arménios. Portugal teve a sorte de acolher Calouste Gulbenkian; a França, Charles Aznavour e a família de Alan Prost, e por aí fora. Relativamente recente, temos a separação da Arménia da antiga URSS. Finalmente País Livre ?.
Em algumas ruas da freguesia ficaram registadas na sua toponímia a paragem dessas gentes.
Rua da Atafona é uma recordação Arménia. Mas também se mistura com Hebreu. Na primeira língua quer dizer Engenho de moer grão em seco; na segunda quer dizer Mó. Mas como a região foi local das duas culturas - e não esqueçamos que não muito longe ainda existe a Rua e Travessa do Forno Velho, logo uma ligação Judaica não será de desprezar. Mas hoje interessa-nos percorrer estas ruas de empedrados e altos muros que nos fazem sentir pequeninos.
Voltemos à direita pela Rua da Ancira que vai dar à Igreja de S. Pedro de Miragaia. Em Português arcaico quer dizer, gancho, âncora.
Mas Ancira escrevia-se Ancyra no tempo dos romanos e correspondia a Angorá (belíssima lã extraída do pêlo de uma ovelha muito comum nesta região) ou Ancára actual, no Centro da Anatólia e hoje Capital da Turquia. A opinião da maior parte dos meus investigados crêem que é mesmo uma homenagem (e saudade ?...) dos Arménios à região de onde terão partido.
Não esqueci S. Pantaleão. Mas antes e porque também é passeio e recordação, é bom percorrer a Rua Arménia.
É uma rua um pouco sinuosa, comprida, que parte das traseiras, ou ao lado, como se queira, da Igreja de S. Pedro de Miragaia e vai dar ao largo que tem o nome de um Miragaiense famoso, Artur Arcos. O largo tem a Fonte de Hulsenhos e o Restaurante Francesinhas na Pedra. Mas isso fica para outras viagens.
O pormenor desta Travessa é lindíssimo. Embora cortado na fotografia, pois estava em obras, abre-se uma janela para a rua, que mais não é do que uma serventia entre as duas paredes, de uma casa. Aliás como algumas outras que há por esta zona.
Nesta velha foto temos o pormenor completo. Diz o Postal que é a Travessa da Rua Arménia. Francamente na toponímia actual não encontrei este nome. Será a Viela da Baleia ? Atenção amigos Miragaienses e não só, fico à espera da vossa informação, porque esqueço-me sempre de tomar notas.
Vamos então a um tema riquíssimo. S. Pantaleão. Foi um médico que teve apenas 23 anos de vida, convertido ao cristianismo e por causa disso, foi torturado e decapitado em 303 em Nicomédia, na Ásia Menor.
Diz a Lenda - ou não o será - que os Arménios transportaram as suas relíquias e quando chegaram a Miragaia (em 1453) foram depositá-las na Igreja de S. Pedro. Continuando pela história, as relíquias foram guardadas num cofre de prata, oferecido pelo Rei D. Manuel I, cumprindo a promessa de D. João II. Estas relíquias foram trasladadas para a Sé do Porto em 1499 por ordem do Bispo D. Diogo de Sousa, ficando sepultadas na capela do Altar Mor. Aquando das Lutas Liberais, as relíquias desapareceram. No diz-se-disse, alguém disse que sabia quem as tinha. Pronto. Acabou. (ver História no sítio http://www.jf-miragaia.net/ )
S. Pantaleão acabou por ser durante 5 séculos Padroeiro da Cidade.
Mas entretanto, na Igreja de Miragaia, está uma parte da relíquia, a mão direita do Santo, transformada em peça de ourivesaria.
Mas para confundir mais as coisas, no Museu Nacional Soares do Reis, encontra-se a cabeça igualmente transformada em peça de ourivesaria.
O museu abriu a cabeça em 1999 e foram realizados estudos incluindo coisitas que se encontravam lá dentro: Têxteis, fragmentos de osso e dentes, papeis. Publicou um livro sobre o tema, que custa €25.
http://mnsr.imc-ip.pt/pt-PT/loja/Loja_Publicacoes/ContentDetail.aspx?id=529 para os interessados lerem a introdução.
Mas há quem diga que foi tudo uma grande golpada. S. Pantaleão e as suas relíquias, parece que passearam por Venesa e Roma e por muitos outros locais. E aparecem no Porto sem mais nem menos 1.000 anos após a sua morte.
O Porto precisava de uma "imagem" como a de São Tiago, na Galiza e São Vicente em Lisboa. Só para falar nas proximidades. Então há que criar um caso. Para maior reconhecimento e benefício desta cidade já muito divulgada no mundo ?
Entretenham-se a ler
SÃO PANTALEÃO «DO PORTO»: UM PARADIGMA DE INVENÇÃO DE RELÍQUIAS EM
FINAIS DA IDADE MÉDIA.
E pronto. É assim Miragaia. Mas haverá mais se tudo correr bem.