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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

50 - Miragaia de alto a baixo

Esta Freguesia da Cidade do Porto é das mais pequenas em superfície mas uma das maiores em termos históricos, arquitectónicos e culturais. Tinha projectado um complemento à série Miragaia referida nos 3 escritos anteriores de uma outra forma. As circunstâncias levaram-me a rever a ideia inicial. E aqui está uma Miragaia sem ordem, do género ao correr da pena.
Para iniciar, uma bela vista parcial de um dos morros de Vila Nova de Gaia. Em destaque, ao centro, o Palácio das Sereias. Junto ao Rio Douro, à direita, a Alfandega Nova. Só para orientação.
A curiosidade levou-me ao Carregal. Com o Jardim pelas costas não resisti a esta bela cor. A ave em voo foi apenas casualidade.
Queria conhecer o Beco do Paço, pois tinha lido umas coisas sobre ele. É mesmo um beco e não tem saída. Consta que existiu aqui uma quinta pertença de um tio de Almeida Garrett, que cedeu os terrenos para a abertura da Rua do Rosário. Nada mais existe neste beco que não seja esta casa a cair e uns terrenos nas traseiras abandonados.

Voltando atrás e já na Rua do Rosário, (que tomou o nome do doador dos terrenos para a sua abertura) encontra-se este belo edifício, construído em meados do século XIX, pertença dos Albuquerques (não faço ideia de quem tenham sido, mas fica a referencia) cujo interior está transformado numa galeria comercial. Do pátio, com cafetaria e esplanada, podemos ver uns terrenos a monte, que parece terem sido dos mais belos jardins particulares da Cidade.

Andando para trás, na esquina da Rua do Rosário com a D. Manuel II, outro edifício com história. Foi o Hotel do Louvre, propriedade de uma senhora de origem francesa, Maria Huguette, cujas boas relações com os másculos da época lhe permitiram angariar um pé de meia para fundar o Hotel. Em Março de 1872, D. Pedro II do Brasil aqui esteve hospedado. Acontece que, na altura o ainda apenas Imperador, resolveu não pagar a conta por a achar elevadíssima. Os tribunais deram razão à senhora e aí vai ela ao Brasil fazer escândalo e exigir o pagamento da dívida. Que foi feito por uns endinheirados portugueses para evitar mais complicações. Isto foi o que li no sitio da Junta de Freguesia. Verdade ou mentira, estou a vender o peixe ao preço que o comprei. Neste mesmo edifício esteve instalada a sede do MUD - Movimento da Unidade Democrática - que em 21 de Novembro de 1946 foi assaltada e fechada pela polícia política da ditadura de Salazar. Já era a nossa bem conhecida PIDE em funções, criada em 1945, substituindo a PVDE (mas que interessam os nomes se o efeito era o mesmo ? ). O edifício ostenta ao lado da porta da entrada duas placas memorizando estes factos: O assalto da polícia e a hospedagem do Imperador. Igualmente e entre outras, esteve aqui a sede do meu velhinho Salgueiros, nos anos 30 do século passado. Ao fundo e à esquerda, vê-se o Palácio das Carrancas (o mais recente e que começou a ser construído em 1795 para fábrica e habitação dos Morias e Castro, os Carrancas, albergando actualmente o Museu Nacional de Soares dos Reis). Tema para outros escritos futuros.

No Largo do Viriato, anteriormente chamado de Santo António da Bandeirinha, à esquerda dois edifícios, na esquina com a Restauração. O da direita está localizado onde outrora foi a casa de João Allen. Coleccionador de muita arte, aqui criou um museu expondo ao povo o que foi adquirindo pelo mundo juntamente com obras de autores portugueses, entre eles Vieira Portuense. Maus negócios e talvez uma burla de que foi vítima por um seu sócio inglês, teve de vender as suas obras. Uma grande parte, julgo que a mais valiosa, está no Museu de Soares dos Reis. Talvez outras ainda se encontrem na Biblioteca Municipal. Aproveitando, deixo aqui a informação que a sua Quinta em Campanhã, quási em frente ao Palácio do Freixo, (hoje Hotel) é digna de uma visita. Foi e é esta Família responsável pelo desenvolvimento das Camélias em Portugal. E tenho o prazer de ser amigo do descente de um dos ramos da Família (Olá Xico, um abraço). O prédio da esquerda alberga o Museu do Filuminismo - se a informação é correcta - provàvelmente o maior e mais completo de Portugal.

Saindo para o lado das Virtudes, é difícil não reparar neste conjunto de casas cujas frentes estão voltadas para o Jardim da Cordoaria e uma delas alberga agora a Junta de Freguesia. (Olá Junta, façam uma revisão aos textos do vosso sítio. Já vos escrevi nesse sentido. Entre tantas coisas desactualizadas, está a vossa localização).

Continuando a descida pela antiga Rua dos Fogueteiros, à esquerda fica o grande muro que sustenta sobre estacaria devido aos terrenos pantanosos do Rio Frio, a Rua da Restauração. Em frente, as velhas escadas da Rua da Laje, com séculos de existência. Parece que na época aquando da construção do Palácio da Justiça foi prometida uma solução para esta zona. Mas raramente nesta minha Cidade, o prometido é devido...


Um troço da Calçada das Virtudes, abaixo da Fonte do Rio Frio
O meu último passeio, tinha uma finalidade. Descobrir se havia uma ligação desde a Fonte de Rio Frio até Miragaia de Baixo. Pode parecer incrível, mas não sabia que existia. Os mapas impressos com edição da autarquia camarária e os do Google têm uma zona cinzenta. E ainda bem, porque foi da maneira que descobri que o Jardim (antigo Horto) das Virtudes já está aberto. Desde Junho. A última vez que por aqui passei foi no triste dia, para mim, de 14 de Maio passado. A Câmara e a Junta nunca se dignaram informar-me. Paciência. Já me conformei há muito que não vale a pena escrever para as autarquias, pois nunca se têm respostas. Por outro lado aproveitei para olhar bem de perto a Fonte, já que nunca me atrevi a descer a Calçada das Virtudes sem saber se tinha saída. É que para subir aquilo deve ser um sacrifício ao qual nunca me quis eventualmente sujeitar. O Jardim e a Fonte serão para novos temas.

Mas isto é uma viagem sem ritmo nem rumo certo e vou entrar de novo pela zona das Taipas, com as suas típicas varandas e estendais. Do lado de cá é Vitória, eu sei, e mesmo aqui ao lado há um palacete em ruínas. Que pena, mas enfim.

Na Rua Dr. Barbosa de Castro, mais ou menos paralela às Taipas pelas costas, está a casa onde nasceu Almeida Garrett, devidamente memorizada. Descendo-a, vamo-nos encontrar novamente com as Taipas. E com Belmomte. Mas isso é já freguesia de S. Nicolau. Se não estou em erro.

Um olhar saudoso para a sede do Rancho do Douro Litoral (grandes bailaricos aqui se faziam; hoje nem sei se funciona alguma coisa) e prosseguindo vamos dar ao antigo Largo da Esperança, hoje de S. João Novo.À esquerda está a Igreja de S. João Novo - fica para outras histórias - e à direita o Palacete de Costa Lima, do séc. XVIII, meio arruinado. Esteve aqui até há uma dúzia de anos e desde 1945 o Museu de Etnografia e História. A boa vontade e o sacrifício de boa gente do Porto foi ignorada deixando a burocracia camarária que as ruínas falem mais alto. O espólio, que julgo ser valioso estará onde ? Leiam esta página http://www.amp.pt/gca/?id=253 , mas não riam porque é triste demais.
Um pouco abaixo encontra-se a Capela de Nossa Senhora da Esperança, cavada numa das torres da que foi a Muralha Fernandina. A sua construção está ligada a gente de vida marítima.
Escrevi na minha última postagem sobre uma estória que diz ter sido supostamente a Igreja de Miragaia a primeira Catedral do Porto. E que essa suposição seria baseada numa legenda inscrita numa pedra. E o Bispo Dom Basílio aparece associado a outras terras. Mas isso é muita história que fascinado ouvi, leccionada pelo Sr. Graciano Barbosa. Pois ela, a inscrição, foi-me mostrada e aqui está.

Outro tema que queria confirmar, embora mais ou menos já conhecesse, era a localização da Capela e do Hospital do Espírito Santo. Confirmadíssimo. Presume-se que seja uma edificação do séc. XVI e a Capela já foi Museu, tendo à sua guarda entre outras peças valiosas, o tríptico de Pentecostes ou do Espírito Santo, já anteriormente descrito.
O Hospital estava ligado à Igreja de S. Pedro de Miragaia, notando-se ainda paredes e caminhos.
Quási fazendo parte do mesmo conjunto, as memórias da antiga Fábrica de Cerâmica (ou da Louça) de Miragaia, fundada em 1775 por João da Rocha, um emigrante que fez fortuna na Bahia. Foi herdeiro seu filho João da Rocha Soares, que chegou a Presidente da Câmara do Porto. A fábrica foi encerrada 77 anos depois, deixando apenas de laborar durante as Invasões Francesas e aquando das Lutas Liberais. O Brasil foi um dos seus mercados e parece que ainda existem peças do seu fabrico por lá. Como não capino sentado recomendo o sítio:
http://velhariasdoluis.blogspot.com/2010/09/vasos-de-faianca-miragaia-no-brasil.html .
Uma das minhas descobertas foi a Rua dos Armazéns, com estória ligada à Real Companhia Velha, a tal dos Vinhos do Porto, criada pelo Marquês de Pombal. Becos de uma lado, muros altíssimos do outro. Para trás ficaram as Virtudes lá bem no cimo. Por isso recomendo sempre as descidas, pois por elas todos os santos ajudam.

Final da Rua a chegar à antiga praia de Miragaia

E paragem para molhar o bico.

Olho em frente e pergunto porque será que o relógio da Torre da Alfandega não trabalha há anos nem está limpinho ? Mistérios... como diria o Bafo de Bode...

Ao lado da Igreja de Miragaia vem dar a íngreme Rua de Tomaz Gonzaga bifurcando com a Rua Arménia

Provàvelmente seria aqui a entrada da residência dos donos da Fábrica de Cerâmica de Miragaia.

Voltei atrás só para mostrar esta inscrição. O que será que quer dizer ?

Na Rua Arménia, roupa estendida com cheiro a lavado.

Pena que todo este património habitacional não esteja devidamente recuperado.

Disseram-me que aquando da Cimeira Ibero Americana realizada há uns anos na Alfandega, a Câmara (quem haveria de ser ?), escondeu Miragaia dos olhos dos participantes, com panos pretos.

E mais uma vez ouvi vozes contra o Porto Vivo e outros organismos camarários. É o desleixo, a burocracia, a incompetência e provàvelmente outras coisas que se sobrepõem aos interesses de recuperação da Cidade. E dizem que querem devolver a Cidade ao Povo. Só blablabla

De Rui Rio, ficam-nos zero de obras (com excepção da destruição da Avenida dos Aliados), mas da alcunha de Bom Rapaz não se livra. São os seus seguidores (?) que o dizem. A versão é sempre a mesma.

Miragaia faz parte do Centro Histórico e do Património Mundial da Humanidade. Mas nos roteiros turísticos é como se não existisse. Nem faz parte da área turística sublinhada no mapa oficial.

Por esta freguesia davam entrada na cidade os Reis quando visitavam o Porto. Era pela Porta Nobre das Muralhas, prepositadamente alargada para bem receber à moda do Porto. Lá no alto ainda se vê um torreão das Muralhas. Há uma postagem já com uns 3 meses, que dedico às Muralhas Fernandinas na Vitória e Miragaia. É só recuar no espaço, que não no tempo.

Lá no alto também se vêm coisas que entram em conflito com o olharAs Muralhas, o que resta delas por aqui, fazem parte de um itinerário que sabe bem percorrer Na Praça de Artur Arcos, um artista miragaiense, encontra-se uma fonte que foi destinada para dar de beber aos animais, construída em 1907. A Fonte de Hulsenhos, mandada edificar por uma filha do conselheiro Hulsenhos ficaria à guarda do povo. É hoje um equipamento urbano decorativo, restaurado. Fica já bem próximo do limite da freguesia a ocidente. A Casa das Francesinhas, se bem que muito in, não é lá grande coisa nos comes. Se forem lá, arrisquem nas Francesinhas. Não se metam a comer outras coisas. Muito menos bifes.

Uma última vista parcial de Miragaia, para oriente.

Espero que na próxima legislatura camarária, embora demore ainda uns anos, um portuense a sério e não um playboy fora de época seja capaz de pegar na Cidade e a trate com carinho. Porque na legislatura corrente, o Presidente e seu séquito segue o rumo do Deixa cair, que alguém levantará. Duas notas finais: Uma, para a Junta de Freguesia. Não adianta ter casa nova. Há muita coisa que se pode melhorar sem custos elevados. É só andar por aí. E aproveitar as gentes da casa. Outra, para a Senhora que já anteriormente tinha referido e que me ajudou a descobrir a Igreja de Miragaia. Prespicaz, viu-me na Igreja e discretamente apresentou-me ao Sr. Graciano Barbosa. De quem recebi uma memorável lição de história. Aos dois, o meu muito obrigado.