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terça-feira, 6 de março de 2012

117 - À procura do Lugar da Ervilha

O meu passeio anterior e referente à Rua da Vilarinha, terminou no Lugar da Fonte da Moura. Escreveu-me um amigo conterrâneo a fazer pela vida no estrangeiro, interrogando o porquê de Fonte da Moura. Pois bem, segundo a lenda, andavam por ali cavaleiros comandados por D. Afonso Henriques (para quem não conhece a História de Portugal, foi o nosso primeiro Rei) quando encontraram uma Moura. Perguntaram-lhe onde poderiam matar a sede numa Fonte. A Moura respondeu-lhes que era muito longe, mas se o Deus dos cristãos era tão poderoso, que fizesse nascer ali uma e ela se reconverteria ao cristianismo. Dito e feito, a fonte nasceu e e a lenda também. E eu encontrei a história da lenda na Enciclopédia e Dicionários da Porto Editora.
Estava acompanhado pelo meu amigo Peixoto, velho companheiro nas minhas andanças e foi aqui que achamos um simpático restaurante para almoçar.
Por sorte, fazia parte da ementa um prato de Sável, muito apreciado pelo amigo Peixoto que não hesitou na escolha. Para mim um lombo de boi assado, bem fatiado mesmo ao meu gosto. O tinto não estava mal mas o bagaço a acompanhar o café era de 10 estrelas. Via-se mesmo que é o do que o patrão bebe. O preço também esteve em conta, olhando à carestia da vida e ao petisco de rico que o Peixoto escolheu. Esqueci o nome do restaurante, mas fica a uma trintena de metros do início da Avenida Antunes Guimarães do lado esquerdo e de quem vem da Avenida da Boavista. É o El qualquer coisa. Nome espanholito.

Tinha-me proposto ir procurar o Lugar ou Monte da Ervilha, que sem querer descobrira por ter lido algo sobre um Espaldão Militar. Não fazia ideia nenhuma onde ficava. Mas de busca em busca lá encontrei algumas referências.

De mapa e apontamentos na mão - um dos meus poucos passeios mais ou menos orientados - atravessamos a Avenida da Boavista, (uma das grandes obras da Cidade do Porto e a maior Avenida de Portugal em extensão, que liga o Mar desde o Castelo do Queijo ao Centro) e toca de percorrer ruas nunca antes conhecidas.
A poucos metros encontramos a Estátua de Garcia de Orta, que dispensava bem o acessório que lhe colocaram aos pés. Não custa nada referir, até porque me dá muito prazer, que Garcia de Orta foi um cientista nascido em 1500 em Castelo de Vide, no Alto-Alentejo, de pais judeus refugiados em Portugal expulsos pelos Reis Católicos Espanhóis. Foi médico do rei D. João III e pioneiro no Estudo da Botânica, Farmacologia, Medicina Tropical e Antropologia. Encontrou Camões em Goa de quem foi amigo segundo reza a sua bibiografia. Morreu em 1568, em Goa, na Índia para onde tinha partido em Março de 1534 e por lá ficou. Embora a Inquisição também actuasse na Índia, durante a sua vida não foi molestado, bem como a família. No entanto, após a sua morte, todos os membros foram perseguidos e a irmã queimada na Fogueira da Santa Inquisição. Anos mais tarde o seu corpo seria exumado e igualmente queimado.
Embora exercendo a medicina foi também comerciante.
A obra que perpetuou o nome de Garcia de Orta foi o livro Colóquio dos simples e drogas e coisas medicinais da Índia, editado em Goa em 1563 e só anos mais tarde publicado na Europa.
Levava como referência uma Paróquia, Igreja e Convento de que nunca ouvira falar.
Toda esta região era rural, de agricultura e floresta, que se veio transformando desde há umas dezenas de anos em zona habitacional. Terrenos não faltavam.
A Igreja de Cristo Rei e o Convento dos Padres Dominicanos tiveram a sua inauguração em 23 de Maio de 1954, em cerimónia presidida por D. António Ferreira Gomes, o saudoso e querido Bispo do Porto.
Toda a edificação está em 7.000 metros quadrados de terrenos cedidos pela Câmara do Porto em 1950, na altura presidida pelo Prof. Dr. Luíz de Pina, como compensação dos terrenos do antigo Convento de S. Domingos confiscados pela Fazenda após a extinção das Ordens Religiosas.
Mesmo ao lado encontramos o Instituto Cultural D. António Ferreira Gomes, que se dedica ao ensino e divulgação de várias actividades artísticas. Foi inaugurado em 1997.
D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto de 1952 a 1982, esteve exilado entre 1959 e 1969 por ordem da ditadura do Estado Novo e do seu cérebro António de Oliveira Salazar.
Grande intelectual, foi sem dúvida o Bispo mais querido e ainda hoje lembrado pelos Portuenses. Faleceu em 13 de Abril de 1989.

Entre as novas edificações encontram-se ainda vestígios dos tempos rurais. E eis-nos chegados ao Lugar da Ervilha. Meio perdido entre ruas sem saída e caminhos de pé posto, dando voltas sem destino, lá nos aproximamos do fim proposto.
A Rua do Crasto. Comprida, muito arborizada, liga este lugar ao Mar. Desconheço a razão da sua toponímia, mas presumo ser um derivado de Castro, povoação castreja pré-romana que se supõe ter existido não havendo no entanto elementos científicos que o comprovem. Mas descobriram-se utensílios líticos da época Pré-Histórica não deixando dúvidas que foi habitada na Idade do Ferro. 

Por entre os novos e altos edifícios, há que escolher um caminho de pé-posto
para tentar chegar ao centro do Monte.

Entre os altos arbustos que nos tapam a vista abrem-se novos caminhos e sem o supor deparamo-nos com cultivo agrícola em pequenas hortas espalhadas por um relativamente vasto território. Uma pequena conversa com um hortelão para orientação e saber coisas do lugar foi indispensável.
Indicou-nos o senhor hortelão as instalações do Futebol Clube da Foz, clube fundado em 1 de Maio de 1934. Cujo campo de jogos tem o nome de baptismo de Campo da Ervilha. Claro que conhecia o clube. Jogou algumas vezes com (ou contra) o meu Salgueiros. E de repente fez-se luz na minha cabeça. Afinal já andara por aqui.
Uma história simples: Teria os meus 7 ou 8 anos, não sei ao certo, e o meu irmão que já era árbitro de futebol levou-me com ele ao Foz onde foi arbitrar. Não sei como fomos lá ter, mas recordo vagamente que passamos por um caminho. Era dia de chuva e regressamos a casa de eléctrico. Imagino que devemos ter tomado o 4 na Fonte da Moura vindo de Pereiró, saído na Rotunda da Boavista e aí apanhado o 20 ou 21 para o Marquês.
Entre uma rua terminada e um novo caminho lá prosseguimos à conquista do Monte.

Caminhamos entre novas hortas espalhadas pelo Monte, ladeadas por altos edifícios.
Encontrei um arbusto com um fruto que não conheci. Um hortelão disse-me que era de um pé que veio do Brasil. Não sabia o nome e chama-lhe Tangeronas. Mas quem tem amigos pelo mundo há que saber de entre eles quem conheça o fruto. A resposta veio breve. O seu nome é tamarillo ou em português tamarilho. Oriundo dos Andes da América do Sul, é também cultivado no Brasil, onde toma o nome de Tomates (Japoneses, Ingleses, Arbóreo, ou ainda, conforme a região Brasileira, de Tomatão, Tomate Francês e Tomate de Árvore). Descobri que também se cultiva em Portugal, principalmente na Madeira com o nome de Tomate Brasileiro. Que bom é saber coisas novas.
Um bonito Faval já em flor.

Um dos hortelãos - esqueci de perguntar o nome - com quem conversei disse-me que toda aquela zona habitacional pertenceu a um Dr. Fontes. O que resta dos terrenos do Monte os herdeiros cederam aos hortelãos. A única paga e já não deve ser pouca é que os terrenos foram e estão limpos.
Mas também vinha à procura do Espaldão Militar de que tomara conhecimento existir aqui. No meio de alguns terrenos não cultivados vêm-se pequenos montes com uma altura talvez de 3 a 4 metros, totalmente cobertos de vegetação alta.
Vamos à História segundo o IGESPAR. Na sua página recolhi a informação de que no Monte ou Lugar da Ervilha foram feitos estudos arqueológicos numa área de 156 metros quadrados devido a um processo de loteamento do local. Acho que esta medição está errada pois é uma superfície bem pequena em relação ao  edificado e aos terrenos que se vêm, mas para o caso não interessa nada. Pelo seu fraco interesse arqueológico os estudos foram abandonados em 1995.
Aqui existiu um espaldão militar, conhecido como do Porto, da Ervilha ou Forte da Ervilha, utilizado na Guerra Civil de 1828-1834 (mais conhecida como Lutas Liberais) para albergar a artilharia das Tropas de D. Miguel. Este espaldão construído com muros de pedra e valas era considerado inexpugnável. Durante os estudos arqueológicos foram descobertos espólios diversos bem como uma plataforma em pedra onde terá assentado uma peça de artilharia. Embora degradado é um dos poucos vestígios arquitectónicos do Cerco do Porto. O Espaldão foi tomado pela Tropas Liberais em 24 de Janeiro de 1833.

Deixamos para trás a Ervilha e encontramos uma rua que nos guia até ao Mar.

É a Rua do Ribeirinho, julgo ser assim chamada porque bem próximo,
embora mal se distinguindo, passa um fio de água.
Quem sabe, talvez tenha sido já um ribeirinho à séria
Embora de há 1 ano e meio atrás, esta é a imagem mais ou menos actual do
Lugar da Ervilha.
E fomos à mais apetecida lourinha que há muito nos esperava na esplanada
 em frente ao Mar. A tarde foi longa e a sede apertava.