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domingo, 11 de março de 2012

118 - O Monte de Germalde ou da Lapa

Um acaso, mais um, levou-me a conhecer um espaço e mais história da minha Cidade que ignorava.
Tudo começa quando acaba a viagem que deu origem ao meu escrito da postagem 114 sobre Paranhos.
No final dessa viagem, com o camarada e amigo Peixoto, viajante como eu do nosso Porto, tomamos um autocarro na Rua Antero de Quental para nos levar à Baixa. Ainda estavamos em Paranhos. Por aqui e redondezas foi o nosso "território" da juventude.
Antes de chegarmos à Lapa, já pertencente a Cedofeita, vi uma Capela da qual não me lembrava. Como estou a organizar uma história (pobrezinho de mim...) sobre as Capelas do Porto, logo combinei com o Peixoto uma visita ao local. Disse-me ele, isto vai dar ao Monte onde trabalhei quando era miúdo de 12 anos. São lindas as vistas lá de cima. E foi assim que tudo começou, com um encontro na esquina da Constituição com Antero de Quental.
A Rua Antero de Quental foi na sua antiguidade a Estrada de Braga, seguindo para o Amial por Vale Formoso ali a 100 metros. Já referi a história dessa Estrada que começava no lado direito da Praça de Carlos Alberto - antiga dos Ferradores -, mas hei-de falar, quer dizer, escrever, mais vezes sobre ela.
Chamou-se Rua da Rainha, mas muito antes era o Lugar do Sério e a sua primeira toponímia foi Travessa do Campo Lindo. Não sei se toda ela era o Lugar do Sério, pois o Campo Lindo fica no fim e a Lapa, a umas centenas de metros é o seu início. Lapa que foi Germalde. Lá iremos.
No cruzamento com a Rua da Constituição olhamos para o final da Rua e a tal saudade dos tempos idos de umas dezenas de anos. À esquerda era o antigo Café Oriental com sala de jogos no primeiro andar. A seguir, o Clube Portuense de Desporto, velha colectividade dos anos 30, onde um grupo de carolas regressados da Guerra do Ultramar, todos desta zona chamada do Marquês/Constituição criou uma secção de andebol em 1970 para pôr a malta a mexer. Os jogos desse primitivo período eram realizados bem próximo, no Parque de Jogos da Fábrica de Salgueiros, uma têxtil oitocentista de grande importância económica e social não só para a zona como para a Cidade, mas julgo que já estava desactivada nessa altura.

Embora o principal motivo fosse a descoberta da Capela ao meio da Rua Antero de Quental, não podêmos passar sem olhar o local onde estiveram as primitivas instalações desportivas do Futebol Clube do Porto. Sempre chamei a esse local o Horto de Antero de Quental, provàvelmente por ouvir dizer. No entanto tem a sua verdade e a história é a seguinte que casualmente encontrei no
José Marques Loureiro, nascido em 13 de Dezembro de 1830 na freguesia de Besteiros, concelho de Amares, instalou-se na cidade do Porto em  1844 onde arrendou a Quinta das Virtudes, criando o Horto das Virtudes, pelo qual se tornou famoso, dada a grande criatividade, conhecimento e beleza das suas produções. Criou em 1849 a Companhia Hortícola-Agrícola Portuense, tendo também arrendado um campo de cultivo na Rua da Rainha, actual  Rua de Antero de Quental, em terrenos onde foi construído o Campo da Rua da Rainha, primeiro palco desportivo do F:C.P. Criador de várias espécias de camélias, entre as quais a «Bela portuense» e «Picturata Plena Portuensis». Faleceu no Porto em 14 de Junho de 1898.
Um pormenor do Velho Campo da Rainha. Os amigos interessados podem consultar o meu escrito nº 61 sobre parte da vida do F. C. do Porto.

A toponímia actual da Rua homenageia Antero de Quental (Ponta Delgada, 18 de abril de 1842 — Ponta Delgada, 11 de setembro de 1891) o escritor, poeta, filósofo, político, operário tipógrafo (por pouquíssimo tempo em Lisboa e Paris) que teve grande influência na Geração de 70. Recomendo a quem interessar http://ge70.com.sapo.pt/index.htm para além de outros sites que nos falam desta fase histórica da Literatura e dos Homens de meados e fins de Oitocentos.
Mudou-se para o Porto em 1879. Entre 1881 e 1891 por motivos de saúde viveu em Vila do Conde embora tenha passado períodos entre Lisboa e os Açores.
Fundador do Partido Socialista Português, também fundou o Jornal A República em 1869 com Oliveira Martins. Não tem nada a ver com o Jornal que tomou o mesmo título fundado em 15 de Janeiro de 1911, por António José de Almeida e foi até aos tempos de Raul Rego, saneado pela esquerdisse em moda nos tempos pós 25 de Abril e que acabou por encerrar o Jornal.
Uma biografia a ler em http://www.vidaslusofonas.pt/antero_de_quental.htm

Existem alguns edifícios solarengos do séc.XIX ao longo da rua, mas a grande maioria são da nossa época e alguns muito degradados. No começo da Rua, a Igreja de Nossa Senhora da Lapa.

À direita encontramos então a Capela que vim a descobrir dedicada ao Senhor do Socorro, por um escrito de Germano Silva. Segundo ele, no seu interior possui um cruzeiro de 1622 provàvelmente um dos muitos marcos que se assinalavam os Caminhos de Santiago.
Ainda pela sua escrita lê-se "A capela é também conhecida pela denominação do «Olho Vivo». A origem deste nome, dizem, deve-se ao facto de o lugar, em tempos idos, ser procurado pelos ladrões que assaltavam os viandantes desprevenidos. Daí que a estes fosse feito o aviso de que ao passar junto da capela deviam ir de «olho vivo». Ao mesmo sítio também se chamou o lugar do Sério. Mas o que aquilo foi, de facto, foi o Monte de Germalde".Tal como eu, coloca dúvidas que aqui também fosse o Lugar do Sério.

Na parede lateral da Capela, um painel em azulejo fabricado na e já extinta Fábrica do Carvalhinho, que começou na Calçada da Corticeira em 1840 e depois se transferiu para Gaia em 1923. Foi nesta unidade  que se fabricou o painel pois está lá escrito.

O primitivo nome de Monte de Germalde foi mais tarde chamado da Lapa, presumo que relacionado com a construção da primitiva Capela dedicada à Senhora da Lapa que deu posteriormente lugar à Igreja. Os amigos e visitantes interessados poderão ler pormenores e ver imagens no meu local nº 76.
A subida ao Monte é feito por duas Ruas. Entramos pela primeira, a Rua do Monte da Lapa.

Deparamo-nos com pequenos becos onde estão construídas habitações formando um típico bairro operário do séc. XIX. Segundo o ex-vereador da Câmara do Porto, Rui Sá, a maioria da população, idosa, já aqui nasceu. Fiquei a saber por uma acta da sessão da Câmara de 20 de Janeiro de 2009, não ter sido aprovada pela actual maioria do presidente Rui Rio, um levantamento do local para se conhecerem as condições de habitabilidade dos moradores. Será que é "perigoso" conhecer a Cidade, as suas gentes, os seus locais ?

No alto do Monte deparasse-nos uma edificação curiosa. Em conversa com os moradores, estes chamam-lhe o Mirante. Por baixo ainda vivem pessoas que infelizmente na altura não estavam em casa, pois queria autorização para entrar e subir as escadas até ao alto.


No tal escrito de Germano Silva antes referido, li ter sido um antigo Moinho de Vento, conservando ainda a Mó. Foi utilizado também como estação telegráfica ainda em 1859.
Uma das residentes com quem falamos, mas já do outro lado do Monte, uma senhora com certa idade, referiu que era qualquer coisa muito antiga da tropa. E a senhora tem mesmo certa razão, pois ainda segundo Germano Silva, D. Pedro IV veio muitas vezes a este local olhar as suas linhas de defesa no Cerco do Porto, durante as Lutas Liberais.

Num pequeno terreno próximo do caminho que vai até ao velho Moínho (ou Mirante), olhamos a Cidade a nossos pés e em frente vêm-se meio difusos os Montes de Gondomar e Valongo.


Novas construções onde seriam os espaços antigos do Clube de Caçadores e da Fábrica de Salgueiros.

Ao fundo por entres os fios, Destaca-se no Marquês a Igreja de Nossa Senhora da Conceição.
Bem destacados o Castelo de Santa Catarina, agora unidade hoteleira, o Depósito das Águas e o edifício da Cooperativa dos Pedreiros, na Rua da Alegria.

Descemos a Rua do Monte e voltamos a subir, agora pela Rua da Senhora do Monte, não tão alta e menos íngreme. No final encontra-se a Rua da Glória que essa sim vai acabar num dos novos arruamentos que atravessam Antero de Quetal.
Li na página da Camara Municipal que tem a sua história ligada ao Cerco do Porto e copiei estes textos:
Na acção de 9 de Setembro de 1832, foi o fogo cruzado das baterias do Monte Pedral e da Glória que impediu uma esmagadora derrota das tropas constitucionais naquele reduto da «Montanha». ( Refere-se à bateria das Medalhas situada na «montanha» a poente da Estrada de Braga, entre o Monte Pedral e a actual Rua de Monsanto - nota também lida no mesmo local) . O mesmo aconteceu no dia 16, data em que há a lamentar o incêndio ateado pelos Liberais, que destruiu a bela casa e capela da Quinta do Covelo. No dia 5 de Julho de 1833 foram ainda as baterias da Glória, do Covelo e de D. Pedro IV que protegeram uma pequena força de 20 homens de infantaria 9, sob o comando do alferes Neto, e depois permitiram a reconquista do Monte Pedral, que estes tinham sido obrigados a abandonar. Escusado será dizer que a urbanização do local onde estava o forte da Glória, só muito mais tarde se processou, nascendo então a serventia de que traçamos brevemente a história. ( Toponímia Portuense de Andrea da Cunha e Freitas )
Um olhar para sul e em baixo o que devem ter sido os terrenos da antiga
Quinta das Águas Férreas

Voltamos para trás, lá teve de ser, pela Rua Senhora do Monte e encontramos o final da Rua Antero de Quental.

No Largo, as traseiras do Quartel General, no Campo de Santo Ovídio, hoje Praça da República. Chamamos-lhe ainda Q.G mas já não o é há anos. Foi de tudo um pouco. A História diz que o Quartel de Santo Ovídio foi construído por Aviso Régio de 20 de Fevereiro de 1790 da Rainha D. Maria I para albergar o 2º Regimento de Infantaria do Porto, que fora criado em 1762 e instalado nos celeiros da Cordoaria. O autor do projecto do Quartel foi o Tenente-Coronel Engenheiro do Reino, Reinaldo Oudinot. As obras arrastaram-se até 1805-1806.
Apesar de ter sido construído de raiz como quartel para um regimento de infantaria, foi ocupado ao longo dos anos para outro tipo de tropas. Assim coexistiram, em diferentes épocas, tropas de infantaria com artilharia, cavalaria e engenharia, ou inclusive milícias durante o cerco do Porto – Batalhão de Milícias de Santo Ovídio-. Serviu em 1809 de aquartelamento temporário e posteriormente de prisão às tropas francesas, do General Soult, durante a 2ª invasão francesa.
Depois de muitas organizações e desorganizações, desde Setembro de 2006 é o Comando de Pessoal do Exército. Elementos colhidos na página do Exército.


Encostado à Rua Senhora do Monte está o Hospital da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa. Não encontrei, mas não quer dizer que não os hajam, elementos sobre a história do edifício.
No Largo da Lapa, onde começa a Rua de Antero de Quental, voltamos à direita para olharmos o Monte de Germalde de baixo para cima. Aí existe a nova Rua de Cervantes que sem qualquer referência específica no site da Camara e mesmo na net., presumo ser uma homenagem ao autor de D. Quixote. Ainda aqui está a velha Fonte da Lapa.

O Monte visto desde os antigos terrenos que presumo terem pertencido à Quinta das Águas Férreas.