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quinta-feira, 7 de junho de 2012

131 - A Cordoaria

Lugar mítico, a Cordoaria, ainda assim chamada, tem o nome de Campo dos Mártires da Pátria desde 1835. Na Toponímia Portuense, o nosso já bem conhecido Andrea da Cunha e Freitas escreve não acreditar que é em homenagem aos 17 enforcados que aqui padeceram. Refere-se com certeza à Revolta dos Taberneiros ocorrida em 23 de Fevereiro de 1757. Neste local concentraram-se  agentes ligados ao Comércio e Produção do Vinho do Porto, ingleses incluídos, pequenos armazenistas, taberneiros, (que deixariam de poder vender vinho a copo), tanoeiros e gente anónima,  revoltando-se contra a criação da monopolista Companhia Geral da Agricultura e das Vinhas do Alto Douro, instituída em 1756 pelo Marquês de Pombal.
Escreve Germano Silva ... mudou de nome em homenagem aos 12 Mártires Liberais que foram enforcados em 1829 por ordem dos tribunais miguelistas (Na Praça Nova, hoje Praça da Liberdade). E eu acredito. 
O espaço exterior mostra mais ou menos o que foi a área do
Largo do Olival.
O interior é mais ou menos o que chamamos A Cordoaria
Legenda: 1. Torre dos Clérigos; 2. Cadeia e Tribunal da Relação; 3. Casa da Família Sandeman; 4. Igreja das Almas e de S. José das Taipas; 5. Palácio da Justiça; 6. Hospital de Santo António; 7. Praça de Parada Leitão; 8. Edifício da Reitoria da Universidade do Porto; 9. Praça de Lisboa; 10. Igrejas dos Carmelitas e de Nossa Senhora do Carmo (para ponto de referência dos meus queridos visitantes)  

A Cordoaria será talvez apelido e não toponímia, derivado por no lugar terem exercido durante 200 anos a actividade artesãos cordoeiros, especialmente de fabrico de cordas para os barcos.
Teve este local várias designações: Cruz da Cassoa ( Local de pastoreio ? a Alfalfa parece que se lhe associa bem como a Lucerna. São suposições minhas. Cassoa é palavra que vem do Latim e significa Distinta, Sábia.) Adro dos Enforcados, (esta é fácil, pois por aqui foram enforcados muito boa e má gentes), Campo das Malvas (continuará a ligação à Botânica ?), e Largo do Olival. Esta a designação de todo um espaço, mais ou menos demonstrado na totalidade da foto acima, onde existiam Oliveiras. Que em 1611, estavam velhas, raquíticas e sem préstimo. Por isso foram substituídas por "ulmus campestris", o vulgar Olmo, transformando o vasto campo em alameda.

O roteiro que proponho para uma visita vai começar da esquerda para a direita, desde que nos coloquemos no Jardim voltados para Sul. Tanto quanto possível, comparando imagens "velhas" e recentíssimas.
Começando na Torre dos Clérigos, um dos nossos ex-libris, Projecto de Nicolau Nasoni, (Toscánia/Itália-1691/Porto-1773) já muito referido e que estará sepultado, algures, no interior da Igreja. A construção do conjunto Igreja, Hospital, Torre iniciou-se em 1732 e só terminaram provàvelmente em 1754. Há dúvidas, pois por causa de "intriguinhas" da Paróquia de Santo Ildefonso, muitas coisas foram alteradas, incluindo a que seria a monumental escadaria de acesso à Igreja. Aliás esta sofreu novas alterações em 1827 (Fonte:  http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/pesquisa/geral/patrimonioimovel/detail/70401/ )
Presumo que já estarão a decorrer obras de recuperação no interior da Igreja e no antigo Hospital para visitas a novos espaços incluindo o da Capela de Nossa Senhora da Lapa.

Convém esclarecer que estamos no alto do Morro da Vitória e por aqui passavam as Muralhas Fernandinas do séc. XIV. No meio das velhas casas encontramos a mais que centenária Farmácia Antiga da Porta do Olival, que antes foi Botica, com banquinhos no passeio onde os clientes aguardavam pela confecção dos medicamentos. Infelizmente não me souberam informar a data da fundação, mas é de realçar a gentileza com que fui recebido e as informações que me prestaram.
Uma maravilha os gessos e pinturas do tecto. Relíquias e beleza dos mobiliários. A não perder uma visita.

No final do mesmo correr de casas, fazendo esquina com um pequeno largo onde se situava nas Muralhas a Porta do Olival e no qual se levantavam forcas, um antigo café, agora remodelado, cujos proprietários se gabam de ainda terem nas paredes pedras da Muralha. Coisa que não admira, pois os nossos historiadores da Cidade afirmam que há casas construídas com algumas dessas pedras.

Atravessando o pequeno Largo fica-nos a Trás a Rua como o mesmo nome (cuja toponímica deixa dúvidas se será de Trás das Muralhas) e também a dos Caldeireiros, (topónimo antiquíssimo mas que fica para novos roteiros) e à esquerda tem início a Rua de S. Bento da Vitória, antes referida no escrito sobre a Judiaria.
Mas é o edifício da Cadeia e Tribunal da Relação que recomendo visitar. É a sede do Centro Português de Fotografia e funcionou como Cadeia até 1974/75. Depois albergou famílias retornadas de África, deteriorou-se, mas hoje está um belíssimo espaço com exposições temporárias além das permanentes. Mas tudo isso já leram os meus amigos, bem como de e sobre alguns prisioneiros famosos.
Nunca é demais referir que o actual edifício começou a ser construído em 1765 mas que devido à falta de dinheiro só acabou por ficar pronto em 1796. Veio substituir o que ruiu construído na época Filipina, talvez por volta de 1603.
A Fonte que está adoçada à Frontaria voltada para o tal pequeno largo, hoje chamam-lhe de Neptuno. Antigamente chamava-se da Porta do Olival. Mas concretamente não sei se é a mesma, pois o Igespar não nos informa.

O edifício tem uma forma curiosa, uma espécie de triângulo, e talvez muitas das suas pedras tenham pertencido às Muralhas.

Em frente ao "bico" da Cadeia, fica a parte lateral do Convento de S. Bento. Que não é visitável. Um amigo prometeu-me uma cunha para o visitar, mas provàvelmente esqueceu-se da promessa. Do lado da Rua de S. Bento da Vitória estão umas instalações ligadas ao Teatro Nacional de S. João. Já lá visitei uma exposição de Trajes utilizados em peças levadas à cena.

Voltamos agora à direita e se o Guia da Freguesia da Vitória não nos induz em erro, esta seria a Casa de Campo dos Barões de Sandeman, de 1827. Quer dizer, guiando-me pela foto do tal Guia, da Casa só existe metade, pois do lado esquerdo e fazendo frente para a Rua das Taipas e encostada à Casa que foi dos Brito e Cunha é um moderno edifício de apartamentos.

Mais abaixo mas para o lado do Jardim, é digna de visita a Igreja de S. José das Taipas. Presumo que ainda está em restauros. Construída entre 1795 e 1878, esteve muito ligada às gentes da Ribeira que recolhiam esmolas para a organização de uma Procissão anual em memória das vítimas da Ponte das Barcas, desastre ocorrido em 29 de Março de 1809, aquando das Invasões Francesas.
Existe um painel evocativo dessa desgraça, que esteve na Ribeira até ser colocado o baixo relevo de mestre Teixeira Lopes, Pai, em 1897. Aos interessados em saber muitas coisas sobre esta Igreja, remeto-os para o meu post 71 - Igreja das Almas e de S. José das Taipas.

Damos uma volta de 90º e no antigo Mercado do Peixe (1874 a 1952) que tomou conta do lugar onde  existiam anteriormente a Capela do Senhor Jesus do Calvário Novo, destruída, pois claro, o Hospício de Santo António da Cordoaria, mais tarde Roda dos Expostos (1838 a 1854) e ainda os Celeiros, encontramos o Palácio da Justiça de 1961. A decoração é formada por 50 obras de arte, incluindo esculturas, frescos e tapeçarias de diversos mestres.
O Museu Judiciário não sei se está aberto ao público. Assunto a tratar no próximo dia 13. Atenção Bando, ao convite.

Já na parte oeste do Jardim vamos olhar o Palácio deste lado. Devo dizer que das suas traseiras tem-se uma vista magnifica sobre Miragaia e o Douro.

Fazendo esquina com a Rua da Restauração, um correr de antigos edifícios recuperados, alguns deles servindo de habitação estudantil.

Logo a seguir temos o granítico Hospital de Santo António riscado pelo arquitecto John Carr (1727/1807) que pretendia fazê-lo construir em tijolo. Maluqueiras de Inglês. Começou a ser erguido no séc. XVIII no reinado de D. José I com a supervisão de João de Almada e Melo e destinava-se a substituir o Hospital de D. Lopo de Almeida, na Rua das Flores.

Agora já estamos de costas para a Cadeia e um novo correr de casas recuperadas. Em quási todas as lojas há pequenos tasquinhos e restaurantes simples. O famoso coreto em ferro, cuja origem deve ser clandestina, foi trasladado para este local há poucos anos.
Renovados também foram os edifícios onde os velhos Cafés Universidade e Âncora d'Ouro, mais conhecido por Piolho se encontram ao dobrar da esquina da agora chamada Praça de Parada Leitão e que vai dar às Igrejas do Carmo e dos Carmelitas. O Piolho tem mais de 100 anos, o Universidade não consegui descobrir.

Em frente, o edifício Sede da Universidade do Porto, que acolhe a Reitoria, a Faculdade de Ciencias e os Museus de História Natural e de Mineralogia. Visito-os regularmente bem como às várias exposições que frequentemente mostra. Tanto quanto me apercebi e aqui deixo o aviso, o Museu de História fecha em Julho/Agosto para limpeza.

Neste espaço esteve o primeiro Colégio dos Meninos Órfãos o qual se manteve até meados do séc. XIX. Foi instalada no edifício, que sofreu várias remodelações ao longo dos anos, primeiramente a Academia Real da Marinha e Comércio (1803/1837), depois a Academia Politécnica do Porto (1837/1911). O primitivo edifício foi a origem das actuais Faculdades de Belas Artes e de Arquitectura, denominada na altura Aula de Desenho e Debuxo iniciada em 1780.

Completamos mais 90 graus e estamos a ver a Praça de Lisboa em novas obras. Após um ano de atraso, promete-se para este trimestre a sua abertura. Será ? Só faltam pouco mais de 20 dias. A chuva (qual chuva?) segundo os obreiros vieram estragar os projectos. E mais um milhão de euros do que o previsto (15% mais ou menos) é coisa de nada. (http://noticias.sapo.pt/infolocal/artigo/1246621 de 30.5.2012).

Este espaço do Olival albergou o Mercado do Anjo entre 1839 e 1952. E tem uma lenda associada a D. Mafalda, a esposa do nosso primeiro rei (D. Afonso Henriques). Passavam os Reis a caminho de Guimarães vindos de Coimbra em Novembro de 1153 e a égua em que a Rainha seguia caiu. O Rei invocou a protecção de S. Miguel o Anjo. A Rainha não sofreu nada e o Rei mandou erigir uma capela em nome do santo protector. Em 1661 junto à Ermida uma senhora bondosa, D. Helena Pereira, natural aqui da Vitória, mandou construir um recolhimento para viúvas honestas e meninas órfãs a que deu o nome de S. Miguel o Anjo. Em 1834 a instituição foi abandonada em virtude da extinção das ordens religiosas e a Câmara tomou conta do espaço para mandar construir o Mercado mantendo o nome da velha ermida.
Destaque para a estátua de D. António Ferreira Gomes (1906/1989), da autoria de Arlindo Rocha (1921/1999), actualmente muito escondida.
Pormenores do Jardim da Cordoaria
com destaque da bela Alameda dos Plátanos,
 em baixo à direita
Chama-se efectivamente Jardim de João Chagas (1863/1925) em homenagem ao escritor, jornalista, político, crítico da monarquia. Embora fosse criado em 1865 pelo paisagista alemão Emílio David, já por mim várias vezes referido devido às suas obras na Cidade, é o espaço verde mais antigo, mandado construir por Filipe II (1578/1621), no princípio do séc. XVII.
A Cordoaria do Olival, para além dos enforcados, cujos corpos enterrados onde hoje se situa o conjunto dos Clérigos e que por causa das obras foram transladados para as traseiras do Hospital de Santo António, dos motins, das festas, das feiras, dos passeios e namoricos, do cinematógrafo, foi onde o povo aclamou D. João I e por onde passou o cortejo de D. Filipa de Lencastre aquando do seu casamento com o Mestre de Aviz.
Esculturas e homenagens dentro do Jardim
Da esquerda para a direita, de cima para baixo:
Flora, em homenagem ao Horticultor, fornecedor da Casa Real, Marques Loureiro (1830/1898) do Horto das Virtudes, da autoria de António Teixeira Lopes (1866/1942).
O Rapto de Ganimedes - anteriormente esteve no Jardim da Praça da República até há dois anos - da autoria de António Fernandes de Sá (1874/1959).
António Nobre, o poeta do Só (1867/1900) sendo o busto da autoria de Tomás Costa (1861/1932)
Destaque para a falta de letras que já vem de há alguns anos.
Ramalho Ortigão (1836/1915), escritor. Do escultor Lopes de Almeida (1898/1975).
Treze a rir uns dos outros, do madrileno Juan Muñoz (1953/2001). O último trabalho do artista, homenageando o Porto, capital da cultura, 2001.

O Lago bem como o Jardim sofreram alterações ao longo dos anos. Hoje, francamente, o novo desenho do Jardim não me seduz. Para além dos bancos "normais" na Alameda dos Plátanos, os que existem são muretes em cimento ao longo de caminhos que não nos levam a lado algum e por vezes nem nos deixam  passar. E é um jardim com pouca cor, coisa que não deveria faltar.
Destacam-se duas árvores enormes plantadas em 1867: Uma Araucária e uma Sequóia originária dos Estados Unidos.
Desde 1986, salvo erro, falta ao Jardim um Olmo, plantado quási de certeza, em 1611. Caiu de velhinho. Era a famosa Árvore da Forca. Que nunca enforcou ninguém, mas viu muitos enforcados por aqui. E a lenda durou centenas de anos, e a mim também foi passada por meu pai. 
Sobreviveu ao abate de árvores na Cordoaria durante o Cerco do Porto (1832/33) as quais se destinavam ao Hospital Militar e ao Colégio dos Meninos Órfãos. Aguentou duas tempestades, a primeira em 2 de Fevereiro de 1865 que lhe decepou um tronco; a segunda em 10 de Novembro de 1963, que lhe roubou o braço principal.
Permito-me repassar este parágrafo:
Árvore da Liberdade, nasceu em 1611, viu decapitar muitos inocentes e vive ainda em fins do séc. XIX rodeada dos carinhos de um povo culto. Os povos têm hoje amor pela tradição e é necessário respeitá-la.
Texto de José Duarte de Oliveira Júnior  (1848/1927), redactor do Jornal de Horticultura Prática, entre outros escritos (fundado por Marques Loureiro, o do Horto das Virtudes), e grande conhecedor e entusiasta por Árvores e Jardins. Herdou do pai uma loja de fazendas nos Clérigos e foi o fundador dos Grandes Armazéns do Carmo, mas também criador do Vinho Porca de Murça. Esta marca ainda existe, só  não sei se é a original. Mas logicamente tem de ser.


Aspectos antigos do que foi o Jardim da Cordoaria. A gravura é do Barão de Forrester. Fotos de Alvão, Arnaldo Soares e outros que desconheço.

Para além das minhas fontes Germano Silva e Joel Cleto foram vários os espaços onde também muito bebi.
Alguns esqueci de anotar (lamento e peço desculpa pelo lapso), mas outros ficaram registados:

Toponímia da Câmara Municipal do Porto
Igespar