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segunda-feira, 29 de abril de 2013

157 - Campanhã, a Oriente da Cidade do Porto

Este passeio, melhor será dizer viagem de recordação ao passado, havia sido combinado já há uns tempos com o meu amigo Quintino Monteiro. Eu, freguês residente em Campanhã por pouco mais de 5 anos mas sempre muito ligado ao lugar. Ele, desde sempre ligado. Ambos agora moramos noutro lugar, que já pertenceu em tempos remotos a Campanhã.
Ao longo desta viagem, iremos percorrer a história e algumas estórias da vida da Freguesia e nossas também.
Mas teríamos de ir primeiro à sede da Junta pegar um autorização já combinada com o Senhor Óscar, septagenário (para evitar mal entendidos e me corrijam a falta de jeito para a escrita portuguesa, adianto-me e informo que também se pode escrever e falar septuagenário) que mesmo usando pace-maker está em grande forma. E a trabalhar firme, com o chamado amor à arte. Casualmente encontramos o Presidente Fernando Amaral, com quem trocamos algumas palavras e aproveitar para lembrar os tempos militares na Guiné.
  
A Praça e Jardim da Corujeira, onde está localizada a Junta, é um amplo espaço verde. Já foi Feira de Gado (que transitou de outros locais da Cidade) e de Moços, gente que era contratada para trabalhar na lavoura e que se movimentava de um lugar para outro. Desde os anos 20 do século passado, a Junta pedia um arranjo condigno do local, incluindo sanitários e um Jardim Infantil. A Feira, já não de gado, se bem me lembro, mas como mercado, acabou ainda na primeira metade dos anos 70. E o Jardim Infantil só foi construído em Maio de 1976, complementado com um Centro Social em 1985.

O Doutor Maurício Pinto nasceu em Arouca em 1924 e faleceu em 1975 num estúpido desastre de viação. Licenciado pela Faculdade de Medicina do Porto em 1950, começou a exercer clínica em Campanhã onde o seu consultório nunca esteve fechado. Especializou-se em Pneumotisiologia, deu assistência médica em vários locais, mas ficou no coração especialmente das gentes de Campanhã pelo seu altruísmo e valor médico. O Povo não o esqueceu e a 24 de Junho faz uma romagem ao seu túmulo. Foi-lhe atribuída a Medalha de Altruísmo,Ouro, pela Câmara Municipal. Além do singelo monumento, foi dado o seu nome a uma Rua, a antiga Rua de Vila Meã onde residiu.
  
Numa freguesia onde existiram e algumas ainda existem, oficinas gráficas e habitavam tantos trabalhadores dessa classe, foi-lhes feita uma homenagem abraçando todos os Gráficos do País. Eu incluído. Por alguma razão se chamou Artes Gráficas à hoje indústria.

Ponte 25 de Abril
A Corujeira é o centro da Freguesia e um nó radial de várias vias de comunicação. Bairro populoso e uma das maiores Freguesias do País, aparece referido como Lugar em 1675 e Aldeia em 1707. No entanto as suas origens são antiquíssimas. A Ponte 25 de Abril liga as Praças das Flores e a da Corujeira.

Uma panorâmica com recordações, feita em cima da Ponte. Em primeiro plano, termina (ou começa, não sei) a Rua do Godim, local conhecido pela Resineira e onde esteve instalada uma Fábrica da Resina, destruída por um violento incêndio. Fazia-se aqui a passagem de nível ferroviário, com guarda e barreira e do outro lado eram armazéns vários e o complexo desportivo dos Ferroviários ou o Campo de Vila Meã. Acabava aqui a Rua com o mesmo nome e como já referi, agora chama-se Doutor Maurício Pinto. Ao fundo é a estação de Campanhã e o Colégio ou Seminário dos Meninos Desamparados.
  
Imagem de uma parte de Campanhã obtida a partir dos terrenos do Estádio do Dragão.

Atravessando o passadiço aéreo, vemos o que resta da antiga Quinta de Vila Meã. Cujos últimos proprietários foram os familiares do meu amigo Quintino Monteiro. Agora é da Câmara Municipal e o uso-fruto, digamos assim, da Junta de Campanhã. 

A Quinta essencialmente agrícola, tem origem antiquíssima e aparece num primeiro foral de 1473 referindo João Vaz Lordelo Vieira Antunes.
Capela e Casa Nobre
A propriedade era extensa e a família tinha várias outras, diria mesmo que metade da actual freguesia lhe pertencia. O lugar de Vila Meã em 1758 tinha sete vizinhos ou fogos.
Entretanto, matrimonialmente ligam-se aos Araújos, dando inicio ao ramo familiar dos Cunha Araújo.
Um pequeno desvio na história da Quinta para assinalar que uma Associação ligada a Movimentos da Terra pretende dinamizar a quinta. De todas as fotos dinamizadoras colocadas no seu site, o que se vê no terreno, para um leigo, é quási nada. Mas queremos ver singrar a boa gente e que transformem esta lixeira e a degradação em coisa boa. Ver http://terrasolta.org/2012/10/amts-na-quinta-do-mitra/
Regressando, vemos o estado de uma fonte tendo inscrito o ano 1710 mas desconhecendo-se a razão desta marca.  
A fachada da Capela, dedicada a Nossa Senhora dos Anjos, apresenta pormenores que são considerados de muito interesse arquitectónico. Se um dia for recuperada, vai receber o primitivo sino, bem guardado neste momento. Não vá desaparecer.  
Numa perspectiva de mais ou menos 360 graus, fotos acima e abaixo, podemos imaginar o que foram os terrenos desta quinta em 1864. Muitos deles ocupados pela via férrea.  
Em 1866 a quinta, ou o que restava dela, foi vendida ao Comendador José Joaquim Pereira de Lima,  Director da Companhia Agrícola e Comercial dos Vinhos do Porto / Casa Ferreirinha. Na década de 1920, os herdeiros vendem-na a um casal, cuja senhora natural do lugar tem o apelido Mitra. São os avós do meu amigo Quintino. A partir daquela venda a Quinta passa a ser mais conhecida como da Mitra.
Nos anos 60 do século passado, a Câmara Municipal adquiriu o que restava por cerca de 5.000 contos, correspondente hoje em dia a 25.000 euros. Com excepção das ruínas da Casa e Capela e de um ainda apreciável espaço a monte (e aquele pouquinho que o tal grupo Movimento da Terra Solta está a mexer), o restante é um emaranhado de vias rodoviárias.  
A família ofertou um Chafariz da Quinta à Câmara Municipal que o colocou nos Jardins do Palácio de Cristal, sinalizado como Chafariz que se encontrava na Quinta da Mitra.

A Quinta chegava e o que resta dela ainda chega a Bonjoia ficando quási colada à Quinta do mesmo nome, ou o que também lhe resta. Bonjoia ou como foi referida Benjoia ou Benjoi é um topónimo antigo desconhecendo-se a sua origem.

Lugar este que lhe tem uma lenda associada, anteriormente descrita noutra postagem, mas sem estas imagens. Não faz mal relembrá-la. Em honra de Nossa Senhora de Campanhã, padroeira da Freguesia, a quem várias lendas lhe estão associadas, (uma dos quais é que não poderia ser mostrada na sua Igreja, pois a quem a via algum mal lhe acontecia ou algum bem lhe viria), saiu uma Procissão no ano de 1722, de grande seca. A imagem caiu do andor e no local da queda brotou água. Construiu o Povo uma Fonte que ainda existe.
Uma imagem que recolhi nas Memórias Paroquiais de Campanhã.
A fonte, quási invisível, está por baixo dos arbustos.
Em relação aos dias de hoje a diferença está no tanque da fonte que era rebaixado no caminho. Antes de conhecer a foto antiga, o meu amigo Quintino Monteiro já me havia alertado para esse pormenor. Começava aqui, digamos assim, a Quinta de Bonjoia.
O muro foi mais ou menos preservado, mas o portão que se vê na foto antiga, uma entrada da Quinta de Bonjoia, já não existe, bem como parte desse terreno. Construiu-se aí um lavadouro público, transferido, digamos assim, do local antigo, que era junto aos terrenos da Quinta de Vila Meã.
O muro era encimado por um aqueduto que levava água vinda de uma mina nas cercanias da actual Estação de Campanhã até à Quinta. Todo esse simbolismo está preservado, mesmo passando-lhe por cima uma auto-estrada. Aqui está um exemplo de como se pode unir progresso e história. Pessoalmente dou muito valor a isso.
Quási em frente, memorizaram as gentes Campanianas o milagre da Senhora,construindo uma Capela em 1967 de devoção à Senhora da Fonte. Um cruzeiro lembra também o acontecimento.
Tudo isto nos terrenos da Quinta de Vila Meã ou da Mitra que aqui termina na sua zona sul. E onde esteve o primitivo lavadouro público.
A imagem de Nossa Senhora da Fonte, na Capela.

Vamos entrar na Quinta de Bonjoia pelo Sul. Um espaço e casa que estiveram totalmente degradados até a Câmara Municipal os adquirir em 1995. Estão recuperados e uma Fundação (para e por quê ?) ligada à Câmara com o nome de Fundação para o Desenvolvimento da Freguesia de Campanhã existe neles, com um qualquer serviço. 
Melhor não tentar perceber o que nos rodeia, muita gente por ali a conversar nos anexos entretanto construídos, belo parque automóvel, simpatia também. Mas o interior do Palacete está fechado com excepção da sala da entrada, onde está exposta uma maqueta e informações pregadas em cavaletes. E há uma telefonista.
Adiante com a história.
Um pormenor do Jardim da parte superior correspondente à entrada principal.
Só por curiosidade demonstro que nunca podemos confiar nas informações históricas. Coisa simples e sem importância vista à distância de 600 anos.
O primeiro proprietário conhecido da Quinta foi Afonso Dinis que a doou ao Cabido da Sé em 31 de Dezembro de 1402. Noutro local leio, pertenceu ao Chantre Martins Viegas em finais do séc. XIV. Em ambas as leituras a data da doação é a mesma e à mesma entidade que a emprazou posteriormente.. Coisas da história ou de quem a escreve que nos deixam sem entender.
Não entendo nada de Cabidos, Mitras, Cónegos, Chantres, mas acho que cheira tudo ao mesmo, isto é, ligação com a Igreja. Mas vamos dar a volta, esquecer nomes e donos e emprazos durante uns séculos e chegar ao principal que mais nos interessa agora.
Em 1758, aparece como senhor pacífico proprietário, D. Lourenço de Amorim da Gama Lobo, fidalgo de Ponte de Lima e prior da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, que resolve edificar um grandioso palácio.
A acta do documento da escritura da obrigação entre artes é de 21 de Março de 1759, onde não constam nomes. Mas tudo leva a crer, por obras anteriores, que a autoria do projecto é de Nicolau Nasoni, provavelmente a sua última obra residencial, a quem o Porto e muito do Norte de Portugal, arquitectónicamente, muito ficaram a dever.
O realce de uma obra notável vai para o majestoso paredão de quási 100 metros de comprimento por 6 de altura, a meio do qual se abre uma formosa escadaria. Estas são as palavras da história, verdadeiras sem dúvidas porque na realidade deslumbramo-nos durante um passeio pela mata em vários níveis de altitude onde existem espécies florestais antigas e raras; ao sentir o cheiro dos citrinos que lembram os antigos pomares; olhar os vários jardins onde as camélias são rainhas; e de qualquer ângulo deixar o olhar correr pelo que nos rodeia e imaginar como seriam as vistas sobre o fértil Vale de Campanhã e o Rio Douro. Palavras minhas.
Havia uma capela dedicada a Nossa Senhora do Rosário, desmantelada, mas não sei mais pormenores.

Curiosamente, o Palacete nunca foi acabado. Do lado esquerdo de quem entra a porta principal existem junto ao corpo do edifício, as ruínas, devidamente preservadas, do que foi construído e inacabado.  

Voltando aos donos da Quinta, aquele fidalgo, o Lobo, morre e deixa-a ao filho António que sem descentes directos, após a sua morte no primeiro quartel do séc. XIX, os bens vinculares passam para uma irmã e os vinculados para a viúva, que os lega a uma sobrinha, casada com um Brandão de Melo, da Casa da Torre da Marca ( Palácio de Terenas ou Mafalim e Torre de Pedro Sem, em frente ao Palácio de Cristal, mas não vem agora para o caso as origens do nome, da nacionalidade, enfim, tudo o que corresponde a esta casa e ramos familiares que vem desde o tempo da Rainha D. Isabel, a Santa, esposa de D. Dinis). Em 1894 a pertença da propriedade é do Conselheiro José Guedes Brandão de Melo.
Após a morte deste, três filhos herdeiros tomam posse da propriedade como determina uma escritura lavrada em 27 de Junho de 1921. Posteriormente a irmã D. Maria José Mimoso Brandão de Melo compra aos dois irmãos as suas partes e vende-a em 1935 ao Juiz Abílio Augusto Mendes de Carvalho, descrita como composta de casa nobre com jardim, pomar, casas de lavoura, terras de lavradio, bouça e bravio e mais pertenças, tudo com a área aproximada de 34.320 m2. Passa a ser conhecida também como a Quinta do Juíz.
Entrada principal da Quinta de Bonjoia vista na posição de saída para a Rua de Bonjoia 
Em 1995 os herdeiros do Juiz vendem a propriedade totalmente em ruínas à Câmara Municipal. Segundo se lê nas Memórias Paroquiais de Campanhã e relatado pela última residente, D. Maria Mimoso Mendes de Carvalho Mesquita, que presumo ter sido filha do Juíz, aqui se realizaram festas sumptuosas, passeios a cavalo, partidas de golfe, etc.Imagino aquela vida...contada com muita saudade, não sei em que ano.
Afonso Costa esteve refugiado na Quinta durante algum tempo, na altura das agitações após a implantação da República.
Às Quintas-Feiras e desde 2003, a partir das 21 Horas, a Câmara Municipal organiza serões temáticos com entrada livre.

Seminário-Colégio dos Meninos Desamparados
Regressados de Bonjoia, passando pelo velhinho campo Mário Navega actualmente utilizado pelo Desportivo de Portugal, entramos no Pinheiro de Campanhã. Local vasto, muito confuso sobre as suas origens, antiga Quinta-Casal talvez, incluindo Miraflores e Noeda, onde existiu um castro, mas isso são para outras histórias sobre a minha Cidade do Porto, se as descobrir. A única certeza é que existiu uma estação ferroviária da linha da Alfândega, ligava a Contumil e posteriormente a Ermesinde. Depois a ferrovia foi até Leixões. Outros tempos até bem próximos e outras histórias. E uma linha desaparecida que poderia ser aproveitada para fins turísticos. Não sei se ainda existe uma Associação que propunha  revitalizar esta linha.   
Também será para outra ocasião olhar mais de perto o Seminário-Colégio dos Meninos Desamparados - Centro Juvenil de Campanhã, instituição que tem origem no desastre da Ponte das Barcas aquando das invasões francesas, em 1809. É o Padre José de Oliveira que inicia o apoio aos órfãos que passaram por vários locais até se fixarem aqui, no Pinheiro de Campanhã em 1863.
Prometo voltar.
Um vista final sobre uma parte do Vale de Campanhã, a partir do Colégio.
Ao fundo já é Gondomar e o seu Monte Crasto

Finalmente o Freixo com o Rio Douro em fundo e um pormenor da Ponte (do Freixo).

Para finalizar uma panorâmica do caminho percorrido.
Dedico esta postagem ao meu amigo Quintino Monteiro. Sem ele não saberia tanta história de Campanhã

sábado, 20 de abril de 2013

156 - Tripeiro eu sou

Muitos Amigos me perguntam o porquê de Tripeiros. E porque fazemos muita honra, os naturais ou habitantes da Cidade do Porto, mas não só esses, em usar este apelido.
Pois bem, a História diz-nos e a Lenda veio junta, que foi por causa de D. João I e do Infante D. Henrique.
Começando pelo princípio, a coisa é assim. Tripeiros, porque comem Tripas, os folhos e as favas - o chamado livro - do gado bovino. A partir daí criamos um típico prato culinário único no mundo, que faz dele uma curiosidade e vontade de ser provado pelos nossos queridos visitantes.
Mas o porquê da Lenda e da História ? Lá chegarei.
Conjunto Monumental da Conquista de Ceuta no Jardim do Calém, em Lordelo do Ouro.
Obra de Lagoa Henriques

Então tudo começa com a ideia de D. João I conquistar Ceuta, no Norte de África. Por questões Geográficas, para evitar a pirataria nas costas do Algarve; Sociais, porque a nobreza queria terras, honras e rendas; o clero, expandir a fé; a burguesia novos produtos e mercados. Económicas, porque poder-se-ía chegar ao trigo de Ceuta, um grande produtor e às especiarias e ao ouro vindos do Oriente transportados pelas caravanas que atravessavam o Saará. Políticas para nos adiantarmos aos Espanhóis não só pela defesa do Sul como pelo gosto das Descobertas de novos territórios.
Outra razão poderá ter sido o interesse do Rei em armar cavaleiros os seus filhos D. Duarte, D. Pedro e D. Henrique, por feitos de guerra.
Neste escultura, de um lado temos artesãos. Do outro um açougueiro e um animal limpo.

Assim é organizada uma logística. D. Pedro, trata de mandar construir uma esquadra em Lisboa. E D. Henrique o mesmo no Porto. 
No Porto, D. Henrique é recebido com grandes honras como filho da Cidade, pois aqui nasceu. E também pela forte relação do pai, o Rei D. João I, à Cidade e que durava há mais de 30 anos. Ninguém soube a finalidade da sua visita, assim conta a história.


Os antigos Cais de construção naval no Rio Douro

Embora ignorando-se a finalidade de tão grande empreendimento, foi dado todo o apoio para a construção de vários tipos de embarcações nos estaleiros do Douro, desde o Ouro a Miragaia.

Parte da Cordoaria vista da Cadeia

Também os Cordoeiros do Campo do Olival -daí veio o nome Cordoaria como ainda hoje é conhecido  o enorme espaço entre os Clérigos, a Reitoria da Universidade, o Palácio da Justiça e a Cadeia e Tribunal da Relação (Centro Português de Fotografia actualmente)- deram o seu apoio. Bem como os ferreiros da Ferraria de Baixo, junto a Miragaia/S. Nicolau.

Réplica de uma Nau Quinhentista que pode ser vista em Vila do Conde

Nas terras vizinhas da Maia, Gaia e Bouças (hoje Matosinhos) prepararam-se as provisões para a numerosa frota que o Infante D. Henrique deu por pronta em inícios de Junho de 1415.A armada zarpou do Rio Douro em 10 de Junho e era composta por mais de 70 navios afora muita outra fustalha. Nela embarcaram milhares de Portuenses.

Jardim do Calém. Recordações Marítimas

Ceuta é conquistada em 22 de Agosto de 1415 e os Portugueses tornam-se donos da possessão durante dois séculos e meio. Oferecida depois aos Espanhóis para sua defesa e que hoje ainda guardam. Isso são outras estórias da história que os meus amigos interessados poderão ler em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ceuta.

Pois então vamos até onde começa a lenda dos Tripeiros. O Porto forneceu para toda a frota os mantimentos que tinha e as carnes foram limpas, salgadas e acamadas nas embarcações. A Cidade sacrificada ficou para si com as miudezas e as Tripas e foi com elas que se alimentou inventando o excelente prato de culinária que é hoje um ex-libris.
Para mim tenho que não só os Portuenses devem ser denominados Tripeiros. Todas as regiões à volta da Cidade, e não só as que atrás distingui segundo a história, mas também às que hoje denominamos como do Vale do Sousa,  eram grandes fornecedores de carne à Cidade. Para mim são tão Tripeiros como eu. Vamos seguir.
Isto são as Tripas do gado bovino. Folhos e Favas.

Cartaz tipo que se colocava devidamente destacado nos vários restaurantes da Cidade no dia das Tripas, normalmente às Quintas-Feiras e aos fim de semana. O que ainda hoje acontece. Tradição é isso mesmo.
Há uns anos atrás, com um grupo de amigos, fazíamos ao almoço a "Viagem às Tripas" nesses dias.

Lembrando santuários das Tripas, vamos percorrer um pouco a Cidade. Na foto acima, a Praça dos Poveiros e em destaque o edifício Aquiles de Brito. O segundo andar foi meu (local de trabalho, expressão simplificada mas verdadeira durante uns anos). Por baixo era o Restaurante Ribeiro, fechado há uns anos. À direita é a Rua de Passos Manuel onde ainda existem o Tripeiro e o Escondidinho.
À Esquerda, é a Rua do Campinho onde existiu a famosa Mamuda. Consta-se que o grande artista Vasco Santana, num célebre dia ao abrir as portas à texas perguntou se era ali a Mamuda. Resposta pronta: vá chamar mamuda à pkp. Disse o Vasco, é aqui mesmo rapazes. Em frente ficava o simples mas acolhedor Dois Irmãos ou Irmãos Unidos, já não me lembro bem. Ainda lá fiz umas festinhas de Natal.
Na foto de baixo, é a Rua do Loureiro onde existiu o célebre Onix que muitas recordações me deixou.

Fotos acima à esquerda é a Travessa dos Congregados, onde existiu o primitivo Girassol. Ainda encontramos por lá o Paris, o Novo Paris, A Viúva (primitiva) não sei, o Romão. 
À direita é o início da Rua do Bonjardim e lá estão, à esquerda, a Maria Rita e à direita a Regaleira.
Infelizmente o Rei dos Queijos, que não vem para esta história, já fechou.

Nesta sequência temos em cima a Rua da Madeira, do lado esquerdo da Estação de S. Bento. O Quim ainda faz umas Tripas muito boas que se podem também comer ao lanche. Mas há o Viseu e mais uns tantos de que não me lembro o nome.
Na foto de baixo é a zona da Ribeira e os seus imensos restaurantes. Mas foi na Adega de S. Nicolau - renovada e linda - que comi ultimamente um bem apaladado pratinho delas.

Antigos Tascos-Adegas que mantiveram o nome, transformados em Restaurantes íntimos e bem simpáticos. A comida, especialmente as Tripas continuam a ser raínhas.
Muitos outros Restaurantes serviam Tripas à maneira. Não sei se ainda existem. Era o caso da Fernanda e do seu vizinho Fernando, o do Caçarola, um às Quintas-feiras e outro aos Sábados faziam-nos a delícia dos olhares e estômago. Estes eram (não sei se ainda são) na Rua da Alegria, entre as Ruas da Firmeza e a da Escola Normal. Mais ou menos a meio. Era uma subida dolorosa mas bem compensada.
Outros haviam e alguns ainda os hão: o Ramos no Bonjardim, o Buraquinho do Freixo, o Manel do Heroísmo (este depois de deixar o Buraquinho), o Manuel Alves (primitivamente no mesmo local do Manel, depois passou para a Avenida Fernão de Magalhães), o Pedro dos Frangos no Bonjardim; e a Confeitaria do Bolhão na Rua Formosa.
A talhe de foice vou apenas referir o Restaurante Salmão, antigamente A Ramadinha, no largo do mesmo nome, junto aos Poveiros. O prato não é mau mas os seus preços são exorbitantes. Não recomendo.
Em Gondomar, não posso deixar de referir o Vigário, na Aboínha e o Choupal dos Melros, em Fânzeres. Mas só por encomenda. E que encomendas eles nos fazem...





Servidas com requinte ou em convívios de amigos, de confecção simples ou mais sofisticada, as Tripas são o prato de excelência e o preferido pelos Portuenses e não só.

Claro que as tripas em si, são comidas em vários locais do mundo. Temos os Callos à Madrileña -ou/e também os Asturianos-, a Dobrada Brasileira e Lisboeta, o Cassoulet Francês, as Drzky Checas; e as famosas Tripas Escondidas Transmontanas.
Mas agora entra em acção (já entrou antes e onde fui beber algumas dicas) o meu amigo Joel Cleto dizendo que talvez a Lenda dos Tripeiros tenha  origem muito mais antiga, remontando ao séc. VI e à época Suévica. O povo Suévo após a queda do Império Romano, atravessou toda a Europa, passou por França, demorou-se no norte da Península Ibérica e acabaram por se fixar no seu Noroeste,  estabeleceram um Reino onde o Porto foi uma das mais importantes Cidades e chegou a ser Capital. 

(Joel CLETO – Lendas do Porto: A Origem dos Tripeiros. O Tripeiro, 7ª série, vol. XXVII (7), Porto: Associação Comercial, 2008, p.210-211.)


Posto isto, não sei se a rapaziada daqueles tempos comia as tripas com feijão. Este parece que teve a sua origem no Peru 10 mil anos antes de Cristo, passou à América do Norte e já era conhecido na Grécia antiga e os Romanos davam-no a comer aos seus guerreiros. 
As Tripas exigem o feijão branco, mas como fomos melhorando ao longo dos séculos a arte de confeccionar este prato, para dentro da panela vão também cebola, alho, cenoura, tomate, colorau (ou pimentão doce) pimenta, cominhos. Pés de porco, toucinho (fresco e fumado ou bacon inglesando o nome), chouriças diversas, salpicão, presunto, galinha. E um toque final de salsa picada. 
Exigido também é o arroz branco (tipo arroz crioulo) e vinho tinto. Douriense ou Alentejano, mas também cai bem um Verde de Lavrador.

Aos meus Amigos deixo então o que aprendi e li. Lenda e História são tão juntas como não há fumo sem fogo. Desejo-lhes bom apetite e o meu recado: Tripas é comê-las sempre que um homem quiser.