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quinta-feira, 3 de abril de 2014

185 - A Cidade do Porto e o Carro Eléctrico

Na saga dos meus passeios por Massarelos, lembrei-me do Carro Eléctrico. Já em tempos fiz um trabalho que distribui pelos amigos e correspondentes, mas sabe-me bem voltar a  recordar tempos antigos e da utilização deste transporte. E juntando as coisas, entre recordações e história, resolvi dedicar umas linhas ao "Bicho".
Há uns 6 anos e tal, fui visitar o Museu do Eléctrico em Massarelos. Ainda não tinha entrado na "melhor idade" mas já me fazia passar por ela. Vícios antigos. Então a entrada era grátis para os jovens-velhos. Nem me pediram a identificação. A coisa piou mais fino, quando poucos anos depois, convidei o amigo Jorge Peixoto para uma visita e ambos tínhamos alcançado a dita cuja melhor idade. Já não havia descontos e o custo do bilhete de entrada eram 4 euros. Ora, para ver os eléctricos vejo-os na rua e é de borla, disse o Peixoto zangado. Eu também, claro.
Como uma aparição, chegou junto aos dois "vampiros" que nos queriam sugar os euros, uma senhora que além de permitir a entrada, nos acompanhou na visita, durante algum tempo.
Esta história dá para começar com a dos transportes que hão-de ser "eléctricos", mas primeiro tivemos o carroção, puxado por uma junta de bois. E o nosso querido Camilo lá mandou uma farpa à Eça.

Entre politiquice e concessões, em 15 de Maio de 1872 a Companhia Carril Americano do Porto à Foz e Matosinhos inaugura um serviço de Transportes e Passageiros. Com serviços de Socorro, que presumo seriam de manutenção. Francamente, não imagino se os serviços de socorro incluíam levar a palha aos burros. Desculpem a brincadeira, meus amigos e amigas, mas quási a século e meio de distância não consigo imaginar o socorro com uma "máquina" destas. Mas naquele tempo parece que tudo se previa.
Adiante e vamos ao carro de socorro, que se escrevia SOCCORO... Se me explicarem porquê, agradeço.
E com um cartolinha no alto. Ver a imagem abaixo.

Em 27 de Maio de 1873, a Câmara atribui a concessão de se estabelecer o caminho de ferro pelo Sistema Americano pelas ruas da cidade. Surgiu uma segunda empresa com o nome Companhia Carris de Ferro do Porto
Em 27 de Junho de 1878, a Câmara autoriza provisoriamente a tracção a vapor às duas companhias. A companhia do Carril Americano, ficou a ser conhecida pela Companhia de Baixo com central no Ouro.
O percurso passou a ser desde Miragaia (da Porta Nobre ou Nova) até à Foz, prolongada até Matosinhos. A foto superior direita mostra-nos uma locomotiva a vapor, provavelmente entre 1878 e 1880.
A Remise da Boavista, demolida na década de 90 do século passado 
e em cujos terrenos se edificou a Casa da Música.
A Companhia Carris de Ferro, conhecida com a Companhia de Cima, tinha as suas instalações na Boavista. A primeira linha foi entre a Praça de Carlos Alberto até Cadouços, próximo da Foz do Douro, embora a linha tenha sido aumentada
Na Rua de Cadouços, creio que ainda existe um pequeno edifício onde esteve instalada a estação terminal. 
Ambas as fotos, tanto em Massarelos como na Boavista não têm nada a ver com esse período histórico. Mas são como uma espécie de orientação para os meus queridos leitores e leitoras desde aquela época até aos nossos dias.
Em 1893 as duas companhias fundiram-se

O edifício das antigas instalações de Massarelos-Ouro inauguradas em 1915. Para aqui vinha o carvão das Minas de S. Pedro da Cova para a produção da energia termo-eléctrica. Actualmente no edifício da esquerda está o Museu do Carro Eléctrico. No da direita é a recolha.

A primeira linha de tracção eléctrica da Península Ibérica surgiu no Porto em 1895. Fazia a ligação de Massarelos ao Carmo pela Rua da Restauração. Nas fotos a mesma linha actualmente.

Por muitas razões que não vêm ao caso, a Câmara do Porto toma conta da Carris, criando os Serviços de Transportes Colectivos do Porto e que desde 1994 passaram a Sociedade em vez de Serviços. Deu no que deu.
A rede tem a sua maior expansão no ano de 1958 e servia, para além do Porto, alguns lugares dos concelhos de Gondomar, Valongo, Gaia, Matosinhos, Maia, num total de 83.897 quilómetros.
Possuíam os Serviços 192 carros motores, 20 carros atrelados e 31 zorras motoras.

Início-términus da Linha 1 - Infante-Passeio Alegre.
O Eléctrico e a Igreja do Convento de S. Francisco. 
Foto obtida ainda com a minha máquina de rolo
Progressivamente o eléctrico foi sendo substituído por autocarros, posteriormente também por trólei-carros (levantou-se nesse período o problema de que a rede de Gaia dos carros eléctricos estaria a causar efeitos negativos na Ponte D. Luíz) de um e dois pisos mas pouco tempo, relativamente, duraram, regressando os autocarros às linhas que serviam tanto os eléctricos como os posteriores autocarros.
Espero que percebam bem as substituições: Eléctricos, autocarros, trólei-carros, autocarros.Até aos dias de hoje. 
As últimas linhas de eléctricos a desaparecer foram três: 1, Infante-Matosinhos; 18, Boavista-Carmo via marginal; 19, Boavista-Matosinhos. Aconteceu na última metade da década de 80.

Por altura da preparação do Porto, Capital Europeia da Cultura 2001, foram projectadas reaberturas de algumas linhas, até para reduzir o transito automóvel no Centro da Cidade. Essencialmente a parte turística era tida em conta. Tudo corria bem, o Porto pensava e a obra fêz-se, até Rui Rio se tornar Presidente da Câmara.
Abriram-se apenas duas linhas: Infante-Passeio Alegre e Carmo-Massarelos. Por muita pressão, Rui Rio concedeu a abrir uma nova linha: Carmo-Batalha, o que aconteceu em Setembro de 2007, se a memória não me falha. Encheu-se de vaidade pelo feito. E a pensar no Metro a passar pela sua porta. Até hoje é tudo 00000.

A antiga e a actual Alameda de Massarelos, hoje Alameda Basílio Teles. Muito antes teve a topónimo de Alameda dos Banhos de Massarelos.

O Eléctrico e a Cidade, actualmente
A linha Carmo-Batalha subindo a Rua 31 de Janeiro. A foto superior esquerda é do dia da inauguração.

 Miragaia Hoje e há uns 60 anos.
Actual Linha Infante-Passeio Alegre

Centro da Cidade. Linha Carmo-Batalha. Os dois extremos nas fotos superiores. Em baixo passagens pela Praça D. João I e Avenida dos Aliados.


Linha Infante-Passeio Alegre, junto à Cantareira. Pela marginal, uma viagem espectacular a não perder.

 Entre a Cantareira e o Jardim do Cálem nas fotos superiores; A inferior esquerda é junto à Ponte da  Arrábida. A inferior direita é a passagem pela Rua de Santa Catarina.

A Praça da Batalha. Ao fundo o Teatro Nacional de S. João, na altura da foto inferior, anunciando um filme de Orson Weles, creio que o Estrangeiro. Em cena uma peça d'Os Comediantes de Lisboa, empresa dos irmãos António Lopes Ribeiro-Francisco Ribeiro (o Ribeirinho) que durou de 1944 a 1950.

Os Gunas. Nome que damos no Porto aos penduras dos eléctricos. Nunca fui guna. Tinha muito medo, principalmente de uma possível tareia em casa se se soubesse. Mas admirava-os, especialmente os de Serpa Pinto que apanhavam o 20 ou o 21 por alturas do Quartel até à Ramada Alta. Antes de entrarem no largo, os que faziam o percurso no estribo da direita, encolhiam-se de tal forma para não baterem com o corpo nas casas que de tão rentes à linha, eram um perigo.
Os cobradores (ou picas, assim chamados no nosso calão) tinham comportamentos diferentes. Uns ficavam na plataforma traseira a enxotar a rapaziada. Outros iam para o meio do eléctrico a fingir que não viam. Nos carros onde o seu lugar era sentado, abriam a portinhola ou batiam com ela para assustar. Mas nunca vi nenhum a agredir qualquer guna. E havia muitos...até já meios homens.
A foto da direita é na Rua José Falcão. A da esquerda está exposta no Museu do Carro Eléctrico e foi tirada, com certeza, em pose. O local será à saída de Entreparedes para a Batalha. Era o 20 ou o 21. Lembro-me daquelas grades junto ao Teatro.

A chamada Foz, para nós portuenses, vai da Foz do Douro (a famosa e perigosa Barra do Douro) até ao Castelo do Queijo e que liga a Matosinhos. São duas as Avenidas que unem este espaço. A do Brasil (foto superior) e a de Montevideu. Na foto inferior o local chamar-se-ia Estrada de Carreiros.Ou já Rua do Castelo do Queijo, actual Avenida de Montevideu,
Uma das praias é a do Molhe que frequentei desde miúdo. Ia com o pai ao sábado à tarde, ou passar um domingo juntamente com a mãe. Apanhávamos o 20 ou 21 até à Boavista e depois, se não erro era o 18 daqui até ao Molhe. Ou também o 2, mas não me lembro de alguma vez ter viajado no "Pipi".

As casualidades acontecem. Nas pesquisas que vou fazendo, encontro imagens magníficas de outros tempos. 60 anos depois, com os companheiros Peixoto e Quintino, no morro da Santa Catarina em Lordelo, faço um boneco parecido em NOV2011, mostrando o actual Largo e Jardim do Calem, que já foi Largo do Ouro. Na velha imagem aparece-nos o inconfundível Pipi. Na nova, lá vai o 1 a caminho do Passeio Alegre. E da Cantareira celebrada pelo Xico Fininho, mais a barra do Douro.

Imagens feitas de dentro do eléctrico da Linha 1-Infante-Passeio Alegre. É a marginal do Douro. A inferior direita já tinha saído no Infante mas foi feita por causa dos restos da neblina.
As fotos não estão colocadas por ordem de passagem.

Quanto estudei na Gomes e no Infante, na Praça da Galiza apanhar o 500 para o Marquês (ou vice-versa) era um luxo. Desenhado e construído nas oficinas dos STCP entre 1951 e 52 foi um protótipo apenas. Raramente saía para circular. Cheio de inovações técnicas e comodidade para passageiros e guarda-freio, nunca foi levado a sério.
O 2 e o 2 com /, (esta pequena diferença do / - traço - indicava o percurso) é o famoso Pipi. Construíram-se uma série não sei de quantos veículos desenhados e construídos também nas oficinas dos Serviços.
Para a rapaziada do meu tempo, o apelido Pipi derivava de transportar o pessoal da Foz, gente de elite. Os Pipis. Mas o nome Pipi original foi dado pelos Serviços.
Pipi é o mesmo que vaidoso, peneirento, brilhantina, dá para tudo. Lembro que havia um jogador do Benfica dos anos 40-50, o Rogério, cognominado Pipi, porque era um vaidoso "penteadinho. Um dia, na Constituição, o Barrigana estragou-lhe o penteado. E a bunda, rabo, cu, enfim, como queiram chamar à parte traseira do corpo humano, abaixo das costas.
O 2 passava também na Praça da Galiza e era recebido com assobios.

Museu do Carro Eléctrico
Em exposição velhas relíquias. 
O Museu foi fundado em 1992 com o objectivo de preservar e divulgar uma vasta colecção de carros eléctricos, atrelados e veículos de mercadorias de inegável valor patrimonial.
Vou reproduzir a história de alguns deles exactamente como está escrito no site do Museu.
100 -  Este carro é uma réplica de um veículo construído na primeira década deste século que ardeu num grande incêndio que deflagrou na estação da Boavista em Fevereiro de 1928. A reconstrução deste carro de acordo com o original realizou-se em 1995.
22 - Adquirido pela Companhia Carris de Ferro do Porto em 1905 à casa Starbuck Car and Wagon Company of Birkenhead, este veículo era inicialmente um carro atrelado. Com o surgimento da tracção eléctrica em 1895, este carro é motorizado e passa a circular como carro eléctrico. Restaurado de acordo com a sua traça original em 1992.
66 - Zorra - Este carro eléctrico com plataformas abertas, vocacionado principalmente para o transporte de carvão, mercadorias e materiais para obras na via foi construído nas oficinas da Companhia Carris de Ferro do Porto em 1915. Por ter as plataformas abertas, em dias de chuva, o guarda-freio tinha que utilizar um grande capote, chapéu de abas largas, botas de borracha e luvas isolantes que o protegessem da água e do contacto com a electricidade.
80 -  Este veículo atrelado destinado ao transporte de peixe foi construído nas oficinas da Companhia Carris de Ferro do Porto no ano de 1932. Este tipo de veículo era utilizado no percurso entre a lota de Matosinhos e os mercados da cidade do Porto, sendo rebocados por carros eléctricos que transportavam as peixeiras.
Carro Torre Hansa-Lloyd (verde) Este veículo automóvel destinado à reparação da linha aérea foi adquirido na Alemanha, em 1929, pela Companhia Carris de Ferro do Porto. Este automóvel permitia uma maior flexibilidade na reparação das vias aéreas proporcionando uma alternativa aos carros eléctricos também utilizados neste tipo de reparações.
Carro Torre Vagão nº49 Este carro eléctrico de reparação da linha aérea foi construído pela Companhia Carris de Ferro do Porto em 1932. Equipado com uma plataforma elevatória manual e com uma pequena oficina destinava-se a efectuar pequenas reparações nas linhas aéreas e nos carros eléctricos que estavam ao serviço na rua.la


Pormenores da zona de "condução" e de dois veículos.
Há cerca de dois anos, a STCP ofertou à Cidade de Santos, do Brasil, dois eléctricos. Presumo que os modelos são os da foto da série 300-315 e foram fabricados nas oficinas da Carris de Ferro entre os anos 1929 e 30. É o Fumista. Nos meses quentes circulava sem janelas e era permitido fumar no seu interior.

Caros amigos, sempre gostei do eléctrico para além das viagens. Muitas histórias tenho passadas neles e com eles.
Foi num eléctrico - da linha 10 - que conversei com o meu irmão sobre o rebentamento das "escaramuças" em Angola. Estávamos a ler a notícia um jornal da tarde e disse-me ele, isso acaba em pouco tempo. Como estava enganado. 
A primeira vez que fui a S. Pedro da Cova e tomar banho a Belói e comer um rojões numa tasca de quem ninguém se lembra (no Ferreira) foi de eléctrico.
O prazer que dava quando o guarda-freio nos permitia ir na plataforma e deixava-nos mudar a agulha.
O salto dos ardinas em andamento era um espectáculo, principalmente o que fazia a Rotunda da Boavista. Ficou famoso o seu salto "para trás".
Foi a saltar em movimento que caí e rasguei no joelho direito as calças do meu fato da comunhão. 
E possuir o passe escolar, era uma vaidade.
Hoje em dia, o eléctrico é mais para turista ver e usar mas é um roubo o custo dos bilhetes. Assim como o da entrada para o Museu. 
 Mas ponham mais linhas a funcionar. Oxalá o novo Presidente da Câmara, Rui Moreira, dê um empurrãozito