Pesquisar

quinta-feira, 10 de julho de 2014

189 - Novos espaços públicos. 1

A Praça das Cardosas é um novo espaço público da Cidade do Porto situada na antiga cerca do extinto Convento dos Lóios.
Foi um obra que acompanhei com alguma assiduidade durante os anos da sua execução. Mas não foi só a feitura da Praça. Todo o triângulo formado pelo Palácio das Cardosas, Largo dos Lóios, parte final da Rua das Flores e Praça de Almeida Garrett foi totalmente reconstruído e/ou restaurado.
Mas irei por partes, começando por referenciar o "triângulo" ainda mal definido a partir de uma maqueta do Porto do séc. XIV. Depois uma planta que presumo ser de meados do séc. XVIII. Uma vista aérea com a Praça identificada e uma imagem do Google de há sete anos, precisamente.
1. Actual Praça da Liberdade. 2. Cerca do Convento dos Lóios e posteriores edificações. 3. Estação de S. Bento. Na maqueta, 4. Sé Episcopal. 5. Praça da Ribeira. Nela vêm-se a cerca romana (?) envolvendo o Morro de Pena Ventosa junto à Sé (só existe um torreão e um pouco de muralha) e a cerca exterior, a medieval, a que chamamos Muralha Fernandina. Da qual existem uns panos e uns torreões nas freguesias da Sé e de Miragaia e algumas pedras que servem de paredes a casas.  Aos muros da Ribeira, não sei que lhes hei-de chamar. Isto apenas são pequenos apontamentos ao correr do teclado.
A. Rua dos Clérigos. B. Rua do Almada. Do lado esquerdo é o Largo dos Lóios e a ligação à Rua das Flores pela pequena Rua de Trindade Coelho, relativamente recente. Do lado Direito é a actual Praça de Almeida Garrett.
O topo norte é fechado pelo Palácio das Cardosas, que alberga o Hotel Intercontinental.
Mas o quarteirão-triângulo, para além da reabilitação urbana, tem muita história. Não sei se a conseguirei descrever muito bem, mas se houver erros, os meus amigos leitores vão-me rectificar.

Estamos em 1490 quando a viúva Violante Afonso doou uma propriedade adjacente à Muralha com horta, laranjal, fontes e casas e ainda um oratório com a invocação de Nossa Senhora da Consolação aos cónegos seculares de S. João Evangelista para edificarem a sua Igreja no referido oratório.
O Bispo do Porto D. João Azevedo (31º Bispo do Porto, episcopado de 1465 a 1496, apresentado pelo rei D. Afonso V para ocupar a Sé que se encontrava vacante) foi quem meteu a "cunha", aliás coisa a que deveria estar habituado tantas são as lembranças que a sua biografia comporta. Ou não fosse ele natural de Lisboa. Para o caso não interessa nada.
Presumo que o autor desta gravura é o Pintor Alberto Aires de Gouveia (1867-1941) que terá adoptado o apelido Gouvêa Portuense. Bem pesquisei mas não obtive respostas.
O muro é o da Muralha Fernandina, onde hoje se encontra o Palácio das Cardosas. Já não existia na altura da Reconstituição desta gravura. Se o autor é quem julgo ter sido.

A primeira pedra para a construção da Igreja nova do Convento de Santo Elói dedicada a Nossa Senhora da Consolação e do Convento dos Lóios, no lugar da Fonte da Arca, foi lançada pelo Bispo em 6 de Novembro de 1491 iniciando-se de imediato as obras com o apoio do Rei e da Rainha, do Bispo, da viúva Violante, de outros conventos dos Lóios e mais pessoas.
Um século depois já era tudo muito pequeno e resolveram demolir os edifícios e construir nova igreja, dormitórios e oficinas, tendo as obras começado em 1592. As obras pararam em 1611 para que os fundos a elas destinados fossem desviados para o Colégio de S. João Evangelista de Coimbra.
As obras só terão continuado talvez por volta de 1650, havendo um requerimento para a construção de um passadiço do Convento para a Muralha. Existiam duas portas de entrada na Cidade: A de Carros ligando a S. Bento e a de Santo Elói ligando às Hortas (Ruas dos Clérigos/Almada/Praça da Liberdade).
Num aparte, li, não sei onde, pois tenho bastantes obras sobre e do Camilo Castelo Branco, uma sua afirmação (?) na fase anti-clerical que este passadiço servia para os Frades Lóios visitarem as Noviças e Freiras do Convento de S. Bento de Avé-Maria. De cabeça recito o pormenor do texto lido já há tempos - anos -  que será mais ou menos assim: Aproveitando o caminho que liga os dois conventos através da Porta de Carros, lá vão eles (os Lóios) etc. 
Os anos foram passando e as doações, compras e expropriações continuaram durante os séculos, tornando a Congregação dona de uma vasta área no interior da cidade muralhada.
A cerca do Convento estava limitada a norte pelo passadiço entre a Muralha e a Cerca que ligava as duas Portas (Postigo de Santo Elói e Porta de Carros); A sul e nascente pela Rua das Flores e a Feira de S. Bento (actual Praça de Almeida Garrett) e a poente pelo futuro Largos dos Lóios, principal porta de entrada do Convento.
A Praça de Almeida Garrett foi chamada de Feira de S. Bento
Embora a Estação tenha entrado ao serviço em 7 de Novembro de 1896,
só 20 anos mais tarde foi inaugurada oficialmente.

O Palácio, não sei se desde o tempo em que foi comprado e concluído pela família Cardoso, albergava lojas de vários comércios. Ainda no meu tempo de juventude, pela porta principal e que levava a um pátio existia um armazém creio que da Farmácia Vitália, entre outros e a famosa Adega da Cerca, bons vinhos e petiscos. Nesse tempo ainda não havia a "febre das loirinhas". Já dizia Salazar, beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses.
Na esquina era o Café Astória (hoje fazendo para do Hotel mantém o nome), local de paragem obrigatória por quem chegava e partia de comboio. Em 1972 foi substituído por uma agência bancária.
No lado direito, quási a chegar ao Largo dos Lóios, a Vitália foi um espanto para a época, segundo as crónicas. A fachada com incrustação em ferro e vidro estilo arte-deco, obra dos arquitectos Amoroso Lopes e Manuel Marques, ambos companheiros desde os tempos de estudante em Paris após a primeira guerra mundial, foi inaugurada em Março de 1933.
Ao centro, a porta de entrada para o pátio, atrás referida. Hoje é a entrada do Hotel.
O denominado Passeio das Cardosas, ponto de referência dos Portuenses, apelidou-se Passeio dos Pasmados, pois nele faziam sala, junto aos estabelecimentos, os janotas para verem passar as meninas.

Aproveitando o novo plano de urbanização da Praça hoje da Liberdade e a demolição das Muralhas começada em 1788, o convento de Santo Elói conseguiu aprovar um plano para a construção iniciada em 1798 de um grandioso conjunto monumental voltado para a nova Praça, que nunca chegou a terminar derivado à vitória dos Liberais de D. Pedro IV e a aprovação da lei de Maio de 1834 que extingue de vez as ordens religiosas.
Gravura de Joaquim Villanova.
O Convento em Construção
Todos os edifícios passaram para a coroa ou para os municípios. Foi o caso deste, que foi adquirido em hasta pública pelo valor de 80 contos por Manuel Cardoso dos Santos, com a obrigação de concluir a obra segundo o risco inicial. Após a sua morte, a herança passa para a esposa e filhas, transformando o Povo o Cardoso em Cardosas e assim ficou conhecido o Palácio.
Depois de várias utilizações comerciais, incluindo bancárias, foi vendido para albergar um Hotel.

Como escrevi antes, acompanhei e registei alguma evolução das obras durante mais ou menos sete anos.
Parte desses registos foram sendo aqui publicados (ver no índice Cardosas). Para além dum resumo das fotos antigas, publico fotos não só dos edifícios que foram recuperados como do interior da Praça.
 Pormenores das obras interiores, onde a futura Praça das Cardosas irá surgir.
 Obras do lado da Rua Trindade Coelho

Rua das Flores e Praça de Almeida Garrett. Os vários andamentos das obras.
Praça de Almeida Garrett. Exteriormente parece tudo em ordem. O edifício com a carranca do Leão albergou a Rádio Marconi

A Praça em várias fases, mas já com ordem para circular. Ao fundo são as traseiras do Hotel Intercontinental.

 O interior da Praça alguns edifícios pontos a comercializar. Não sei se alguém os vais habitar.

Exteriormente, o lado do Largo dos Lóios. Foi aqui que estiveram instalados os edifícios e a Igreja voltados para o Largo.
Não sei se esta porta simboliza a entrada do antigo Convento.
As novas edificações até ao encontro da Rua das Flores, na foto à direita em baixo.

O actual Largo dos Lóios, onde se encontrava a Porta primitiva com a ligação aos Clérigos/Natividade (rua transversal) e Rua do Almada/Hortas em frente.

Muitas pesquisas efectuei para este "trabalho". Algumas esqueci de registar, o que já é normal em mim. Mas há os amigos habituais http://doportoenaoso.blogspot.pt/ ; http://portoarc.blogspot.pt/ http://www.portoantigo.org/ ;
Mas foi especialmente neste que descobri a história do Convento dos Loios:
https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/20796/1/O%20Convento%20dos%20L%C3%B3ios%20no%20Porto,%201789-1798%20-%20Jo%C3%A3o%20Briosa.pdf
Há também a registar o SIPA em http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=21240.

Não podia acabar esta apresentação sobre a nova Praça das Cardosas, sem incluir uma pequena-grande história que me foi referida pelo amigo e conterrâneo Egberto, desde Barcelona. E que tem a ver com a Igreja de Nossa Senhora da Consolação edificada no convento:
Um eremita que viveu no séc. IX nascido na cidade do Porto e ficou a ser conhecido por S. João do Porto (não confundir com o outro S. João, o rapioqueiro), tinha o cognome de Terzon, Teizon ou Izon.
A sua vida eremítica foi passada junto da Cidade de Tui, na Galiza. Em 1282 os Dominicanos construíram um convento, já desaparecido, sobre o lugar de uma igreja paroquial onde João estava sepultado. Embora levantando-se muitas dúvidas de uma Cabeça Santa sem referência definida, o certo é que essa relíquia foi levada para a Igreja de Nossa Senhora da Gandra mandada edificar por Dona Mafalda, a esposa do nosso primeiro rei. Dessa relíquia foi retirado um osso que se venerava na Capela da Cabeça Santa na Igreja do Convento dos Lóios.
Os amigos interessados podem ler a história completa em http://www.cm-porto.pt/gen.pl?sid=cmp.sections/570&letra=S&fokey=cmp.toponimia/1743

Temos na Cidade a Rua de São João do Porto desde Junho de 2003, em Lordelo do Ouro, nome proposto pela Associação Cultural Amigos do Porto.

Devo esclarecer que a Igreja e couto da Gandra foram doados pelo nosso primeiro D. Afonso Henriques à Sé de Tui e ao seu Bispo D. Afonso. Não li qualquer referência à relíquia no site da Junta de Freguesia -que pertence a Valença do Minho- nem pormenores da Igreja. Mas presumo que é esta a igreja referida por Fernando Moreira da Silva num escrito do Jornal O Tripeiro e publicado no site acima.