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sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

235 - A época natalícia

Nada como um valente tempo de invernia aliado a muita preguiça para vasculhar alfarrábios caseiros, navegar pela Internet o que desde há uns meses se me tornou muito difícil e não adianta perguntar ao Google porque não me respondem; ler, ver e ouvir o que encontramos nos caminhos da TV e nos blogues dos amigos.

Porque acabamos de atravessar um período onde o simbolismo é dirigido para o consumismo, deu-me em recordar épocas da meninice e o barulho que o Pai Natal fazia ao descer da chaminé para me deixar um carrinho ou uma mota ou um carrossel de aviões, todos em folheta (chapa de alumínio ?) e de corda, onde a família dava a corda e eu só via os brinquedos girar. Não tenho recordações de outras prendas natalícias, mas estas duraram anos pois raramente me era permitido tocar-lhes e não fui eu que lhes dei sumiço.

Mas também não me davam gozo. O meu prazer era a bola feita de trapos e papel envolvidos numa meia velha da avó ou da mãe, o pião, as sameiras (cápsulas de garrafas) que serviam para inúmeros jogos e corridas, o arco em ferro e pôr a navegar na água do tanque de lavar a roupa as latas de conserva. Diga-se de passagem não me serem muito permitidas estas brincadeiras pelos meus velhos por causa das corridas e o perigo de uma queda, dos gastos dos sapatos, dos ressaltos no empedrado do pião, brinquedo mais que perigoso para a cabeça, olhos e vidros, ou de um afogamento na água do tanque.

A Árvore de Natal, sempre um ramo de pinheiro natural, demorava dias a fazer pelo meu pai. Começava em princípios de Dezembro pela base que tinha se ser bem segura para fixar o pinheiro, o seu arranjo em papel de seda, a verificação das luzes (que serviam também para a cascata de S. João e tanto quanto me lembro já vinham do tempo do meu irmão, passaram por mim a caminho da infância do meu sobrinho e seguiram até não me lembrar como acabaram), até à penduresa dos enfeites que eram colocados após a chegada do "Pinheiro" o que acontecia pelos meados do mês. A árvore era dada por acabada na semana do Natal e as luzes acesas só quando ele chegava a casa depois do trabalho.

Também havia que fazer o Presépio, um estábulo e acessos feitos pelo meu pai - uma obra de arte artesã - onde as inúmeros imagens, os santinhos, eram colocados em devida ordem e a distâncias milimétricas não fosse algum cair e dar cabo daquilo tudo. Os mais perfeitos vendiam-se na Rua da Assunção, junto aos Clérigos a 10 tostões. Uma arte tradicional dos santeiros do Porto e Gaia.

Claro que tinham algodão em rama para imitar as nuvens, palhas todos os anos renovadas para a cobertura do estábulo e a cama do menino e demais utilidades, fios coloridos, enfim, uma obra de arte à qual só me era permitido olhar e nunca tocar, nem mesmo para chegar os bonecos ao meu velho pois as minhas mãos frágeis poderiam deixar cair alguma coisa.

Toda esta conversa porque por casualidade li uma crónica do Prof. Germano Silva, vi e ouvi o Prof. Joel Cleto nos seus Caminhos da História sobre o Pai Natal, os Reis Magos e os Presépios e o que representam ou representaram na história do Porto, a minha Cidade.

Comecemos por S. Nicolau, (de Mira, na Ásia Menor,Turquia ou de Bari, em Itália) comemorado a 6 de Dezembro, dia da sua morte em 342 nessa cidade.
Este Santo foi reconhecido pela sua generosidade para com gentes humildes e sem posses e a amizade pelas crianças.
Dele nasceu o Santa Claus, o Pai Natal dos nossos dias, o patrono das crianças e cujas histórias vem desde os primórdios do séc. XIX., da Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos e mais recentemente da Lapónia e dessa horrível bebida que é a Coca-Cola.

A Festa de S. Nicolau no Porto foi grandiosa onde as crianças tinham participação activa. Com restos de madeiros que recolhiam pela cidade junto ao rio Douro gritando ao som de campaínhas: Quem dá lenha ou algum pau para a fogueira de S. Nicolau. Depois era a enorme fogueira, para onde eram lançadas castanhas, um alqueire delas ofertada pelo abade.
Esta tradição manteve-se desde tempo imemorial até pelo menos 1855. (Segundo Pinho Leal, escrito em Lisboa em 1885 e respigado no blogue amigo portoarc de Rui Cunha.
No dia 6 celebrava-se com grande pompa as festividades do padroeiro.

Em 2014 sei que se comemorou no dia 5 como é tradição e lógicamente com crianças da zona que ouviram a sua história na Igreja, foram recebê-lo ao Cais da Estiva vindo pelo Douro e depois marcharam para a Alfândega onde houve festa em sua honra.

Esta Igreja construída a partir de 1671 - a primeira pedra foi colocada no dia de S. Nicolau - foi erguida no local de uma pequena ermida do séc. XIII devido ao crescimento populacional e à criação da junta de freguesia. Sofreu um incêndio em 1758, e as obras da reconstrução terminaram em 1762.
Uma imagem de S. Nicolau copiada do portarc
Uma das lendas sobre S. Nicolau e a amizade pelas crianças é representada na imagem que se encontra do lado esquerdo da Capela-mor, vendo-se três crianças numa celha. Conta-se que as crianças desapareceram numa floresta e foram encontradas por um talhante que as matou e salgou. S. Nicolau foi tempos depois a casa do talhante, descobriu os corpos das crianças e ressuscitou-as.
Outra lenda refere-se à sua generosidade. Um pobre homem viúvo tinha três filhas em idade de casar. Não tendo dote para lhes dar vivia triste. Então S. Nicolau deitou pela chaminé um saco com moedas que caíram junto das meias que estavam a secar. Na imagem também podemos ver o saco na mão.
Cá temos então o porquê das imagens da nossa infância das meias na chaminé para receber os presentes do Pai Natal.
No meu caso, tanto quanto me lembro era colocado um sapato em cima do fogão.
Este texto foi composto após ouvir o Prof. Joel Cleto e a imagem copiei do blogue portoarc.

Agora é o momento reservado aos Presépios e aos Reis Magos.

Até ao rompimento da agora chamada Praça da Liberdade e à abertura da Avenida dos Aliados cujas obras começaram em 1916, existiu um capela ao lado do edifício da Câmara que fechava a actual Praça, chamada dos Três Reis Magos, construída no séc. XVI.
Ficava a frente voltada para a Rua do Laranjal  à entrada do lado esquerdo (um pouco encoberta pela canastra da senhora) cuja rua era paralela à de D. Pedro. Tudo isto foi arrasado para a abertura das atrás referidas Praça e Avenida - e é assim mesmo que os Portuenses lhe chamam.
Segundo Germano Silva a festa dos Reis Magos era de arromba chegando a rivalizar com os festejos de S. João. A expensas da Câmara.
A Capela foi demolida e vendida a um endinheirado do lugar da Pocariça de Cantanhede que a mandou reconstruir mas agora dedicada a S. Tomé ou a S. Tiago. Estou na dúvida e espero uma informação de um caríssimo correspondente local para me esclarecer e que fez o favor de me enviar esta foto.
As festas e tradições dos Três Reis Magos, ditos do Oriente, são muito antigas na Cidade. O Convento de Avé-Maria de S. Bento foi inaugurado no dia de Reis de 1535. As noviças quando chegavam dirigia,-se ao coro e cantavam loas a lembrar a adoração dos Magos em Belém de Judá.
Há documentação que no séc. XV os moradores da Cruz do Souto pediram autorização para montar um palco para encenar uma pantomina em honra dos Reis Magos.
E havia procissão e a Câmara chegou a reunir no dia de Reis.
Não sei se ainda existe a tradição que se manteve durante anos de grupos recreativos e culturais cantarem as Janeiras neste dia.

O professor Joel Cleto deixou-me suspenso e espero não o ter ouvido e/ou interpretado mal.
Na Igreja das Almas de S. José das Taipas, existe um Presépio dos finais do séc. XVIII, o mais antigo da Cidade segundo li, da escola do escultor e estatuário Machado de Castro (Coimbra, 17 de Junho de 1731 - Lisboa, 17 de Novembro de 1822).  O único assinado por ele encontra-se em Lisboa.
O Presépio quase na totalidade. Impossível melhor foto por causa dos reflexos. 
Chamou o Prof. Joel Cleto a atenção por haver na representação quatro e não apenas três Reis Magos.
Ampliação para melhor se compreenderem as imagens
A última figura da fila dos Reis no caminho para a adoração, é um indígena americano. Mas o resto da explicação não consegui ouvir, nem porque ficaram a ser três os Magos.
Um dia revendo o vídeo devo chegar lá.

A representação dos Presépios é muito antiga. Os de arte barroca serão do séc. XVII. Precisamente desse século - que não o estilo, julgo - é o que se encontra na Igreja de S. Lourenço, ou dos Grilos como é por nós portuenses conhecida. Pelo menos é o que podemos ler num página em pdf da PortoVivo e referente ao Morro da Sé, Porta a Porta. Construído em Tecido, Papel, Madeira, Vidro e Metal. Desconheço a sua origem, mas pelo que se presumo será este o mais antigo Presépio do Porto.

As representações dos Presépios continuam a fazer-se ainda na Cidade, havendo até concursos. A exposição que vi há dois anos na Igreja dos Carmelitas era soberba. Aqui ficam algumas imagens.

Neste, não sei onde foi parar a Virgem.

Aqui vos deixo, caros visitantes e leitores uma "obra" que demorou algum tempo a desenvolver e cheia de recordações da minha meninice.