Pesquisar

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Guimarães - Parte III

Para terminar o pequeno percurso pelo Centro Histórico de Guimarães acompanhem-me da Oliveira até ao local da peregrinação na zona do Castelo.
O Zé Ferreira, com aquele ar de sonso e de quem não faz mal a uma formiga, pôs-me a caminhar indicando de longe e dedo apontado "olha" ou "é por ali".

A última imagem da postagem anterior (Guimarães - Parte II) mostrava umas arcadas que agora vamos ultrapassar e que são de ligação entre a Praça de S. Tiago e o Largo da Oliveira.

Os baixos da Casa da Câmara, edifício do séc. XVI-XVII ocupando o mesmo local de uns primitivos Paços construídos no séc.XIV no reinado de D. João I. Presumo que actualmente está instalado o Posto de Turismo.

Realçam-se as cinco janelas da sacada, o alpendre sustentado por cinco arcos góticos e uma estátua na fachada que representa Guimarães.
Olhemos em volta.
Estamos no Largo da Oliveira, destacando-se a Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, o Padrão do Salado e a árvore Oliveira. Para além do casario envolvente.
A Igreja teve as suas origens num mosteiro fundado por Mumadona Dias cerca de 950 e dedicado à Virgem de Santa Maria e aos Santos Apóstolos. A construção primitiva terá sido iniciada em 1387 impulsionada por D. João I, fervoroso devoto da Senhora da Oliveira. O altar que levou para Aljubarrota é a ela dedicado e pode ser visto no Museu Alberto Sampaio.
Vários Reis e épocas ditaram os seus estilos ao longo dos séculos.
O Largo, antigamente chamado de Praça de Santa Maria, está ligado às géneses de Guimarães e foi um terreiro implantado defronte do mosteiro.

Diz a Tradição ou a Lenda, que existia uma velha Oliveira seca ao lado onde foi construído o Padrão do Salado. Três dias após a construção deste, a oliveira refloresceu considerando o povo que foi milagre.
A árvore subsistiu até a Câmara a mandar cortar em 1870. Terá sido a mesma ? acho que é muita idade para esta árvore. Aquando da recuperação do Largo há 25 anos, foi plantada a Oliveira que podemos ver hoje.

O Padrão do Salado (ou de Nossa Senhora da Vitória) de 1340 relembra a vitória de D. Afonso IV sobre os mouros em 30 de Outubro desse ano na Batalha do Salado, província de Cádis no sul da actual Espanha. Uma ajuda preciosa ao seu genro Afonso XI de Castela que não sabia o que fazer à vida perante a situação.
A Cruz gótica representa de um lado Cristo crucificado e do outro a Virgem Mãe. No plano inferior quatro esculturas representando S. Vicente Apóstolo, S. Filipe Mártir, S. Torcato e o Anjo da Guarda. Foi oferecida em 1342 pelo vimaranense Pedro Esteves. É Monumento Nacional desde 1949.

Em comemoração da Batalha de Aljubarrota, todos os anos a 14 de Agosto saíam em procissão Câmara e Cabido, rezando-se missa no Padrão, expondo-se a Pelote de D. João I. Era chamada a Missa da Pelote. Não sei se ainda há esta tradição.

Igreja de Nossa Senhora da Oliveira de arquitectura religiosa românica, gótica, manuelina, maneirista, neoclássica e revivalista, assim a considera o SIPA - Sistema de Informação para o Património Arquitectónico, que não sei se ainda existe com este nome. No entanto, nos restauros do séc.XX no interior o neoclássico foi praticamente retirado devolvendo o estilo gótico original.
O portal é encimado por um janelão que originalmente possuiria um caixilho pétreo com a forma da Árvore de Jessé. Agora tapado, ou cego como escreve o SIPA. É enquadrado por cinco arquivoltas decoradas e ritmadas por anjos coroados.

Quem entra na igreja pela direita, encontra esta máquina da qual não descobri a sua serventia. Talvez o Zé Ferreira ajude pois passou muito tempo à volta dela e tenha descoberto qualquer referência.

O interior da Igreja e altar-mor. Na altura realizava-se um serviço religioso.

 Altar do Santíssimo Sacramento

Orgão superiormente decorado, "feito em 1838 por Luis António de Carvalho Guimarães, desta Vila"

À esquerda, escuríssima, a Capela dos Pinheiros e as arcas tumulares de Pedro Esteves e esposa Isabel Pinheiro. À direita a arca tumular de Inês de Guimarães uma descente em 3º ou 4º grau de D. Pedro I e de D. Inês de Castro. Mais uma conjuntura minha.
Só uma nota para confundir. Ou este Pedro Esteves com Capela e Túmulos teve uma vida longuíssima ou não é o mesmo que ofereceu a cruz que se encontra no Padrão do Salado. Pormenores de datas e de "serviços" levam-me a essa conclusão, embora pelas leituras das páginas consultadas incluindo a Geneall.net/pt se depreenda que é o mesmo.

Museu de Alberto Sampaio, instalado nos edifícios anexos da Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, formando o conjunto da antiga Colegiada de Guimarães posterior ao Mosteiro, do qual restam duas alas do Claustro e a Sala do Capítulo. Mas do Mosteiro do séc. X parece que nem vestígios existem.
Pela antiga Casa do Cabido faz-se o acesso ao Museu. Não o visitei, pelo que as fotos são meio-clandestinas. Isto é, pelo que consegui ver da entrada foquei e apontei para posterior visita.
Guarda no seu interior obras de mestres ourives, acervos históricos como o loudel usado por D. João I na Batalha de Aljubarrota, peças, tesouros de valor incalculável. É Monumento Nacional desde 1910.

 À saída do Museu uma das Capelas dos Passos, creio que são 5, que existem em Guimarães.

Uns passos caminhados e surge-nos uma imagem interessante a meia encosta da subida para o Monte de Penha. É a Igreja do Mosteiro de Santa Marinha da Costa. Segundo a tradição, o mosteiro (hoje é um Hotel) foi fundado em 1154 pela Rainha D. Mafalda, esposa do nosso primeiro, o D. Afonso Henriques e doado aos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, cuja ordem foi substituída pela de S. Jerónimo em 1528.
Admite-se que tenha sido erguido sobre um pequeno templo de características únicas do séc. IX que por sua vez foi construído sobre um estabelecimento romano. Também se supõe que tenha sido este o local do Paços Condais Portucalenses e que a Igreja tenha sido a Capela Palatina.
Todo o conjunto foi alterado e ampliado ao longo dos séculos.

Depois de toda a caminhada anterior - não foi tão pequena como o conjunto das fotos parece demonstrar- o Zé Ferreira foi buscar o carro mandando-me subir uma rua íngreme e que nos encontraríamos no Castelo.
Lá fui subindo a desalmada, se não estou em erro é a Avenida Alberto Sampaio e reparei que ainda há um troço de Muralhas em Guimarães, coisa que não imaginava. Lá atrás, o Paço dos Duques de Bragança.

Pois agora também sei que o início da construção da muralha que circundou o primitivo povoado foi no reinado de D. Sancho I, o segundo de Portugal, nos séc. XII-XIII e só terminou no reinado de D. Dinis, antes de 1322. Era a parte alta.

Tem histórias de cercos: Em 1322 o Infante D. Afonso luta contra o pai D. Dinis;

Em 1369, Henrique II de Castela (que fundou a dinastia de Trânstamara e andou metido na Guerra dos Cem Anos - apoiado pelos franceses à sucessão do trono de Castela enquanto o irmão Pedro, sucessor legal era apoiado pelos ingleses e portugueses e que veio a morrer assassinado - cercou a vila depois de já ter tomado Braga. Talvez pelo apoio dado por Portugal ao meio-irmão, talvez por causa de uma história antiga de assassínio da mãe, amante do Rei Afonso XI de Castela, por ordem da Rainha Maria de Portugal sua esposa legítima. Isto são deduções minhas.

Por causa desses amores, a Rainha Maria regressou a Portugal separando-se do marido Castelhano e acolheu-se a Évora. Mas acabou por exercer muita influência junto do pai D. Afonso IV para ajudar o ex-marido  Afonso XI de Castela, perdido na luta contra os mouros.
Lembrem-se, queridos e queridas visitantes que têm a paciência de me ler, o que escrevi sobre o Padrão do Salado, atrás referido.

Novo cerco desta vez por D. João I em 1385 durante a crise iniciada em 1383 e que durou dois anos. O alcaide Aires Gomes da Silva mantinha o apoio a Castela e a Henrique II. Em 1389 D. João I unifica o lugar - a parte alta (Castelo) e a parte baixa (villa de Santa Maria) - ordenando que fossem ambos um só povo doravante Guimarães.

Na chamada agora Zona do Castelo iniciava-se a parte alta, quando no século X a Condessa Mumadona Dias, viúva do Conde Hermenegildo Gonçalves que governou os domínios de Portucale e cheio de posses, fundou um Mosteiro no sopé do Monte Largo.
Castelo de Guimarães
Local de peregrinação, sujeito às investidas pelo sul dos muçulmanos e dos normandos oriundos do mar do Norte através dos rios de boa navegabilidade, para defesa do núcleo monacal e para recolhimento das gentes necessitadas, a Condessa mandou construir um Castelo que é doado em 958 aos religiosos.
Acredita-se que a estrutura então erguida, sob a invocação a S. Mamede, fosse bastante simples, composta por uma torre envolvida por uma cerca.
Destaque para a monumental Torre de Menagem
Um século após, a povoação Vimaranes era dos domínios de Afonso VI de Leão e Castela que a doa em favor de Henrique de Borgonha, formando o Condado Portucalense, mas seu vassalo.
Casou este com Teresa, filha ilegítima do rei Afonso VI tomando o castelo por residência o qual foi sendo ampliado.
Do casamento nasceu talvez em 1109, talvez em 1111 como refere a cronologia dos Reis de Portugal, talvez no verão (não se sabe se em Viseu, Coimbra ou Guimarães) o que viria a ser o nosso primeiro rei, Afonso Henriques, D. Afonso I de Portugal, o Fundador, iniciando a Dinastia Afonsina ou de Bolonha.

Uma história simples de poder: Morreu o pai ao Afonso e a mãe amantizou-se com um galego, o Conde de Trava. O jovem talvez influenciado pelo arcebispo de Braga D. Paio Mendes, tão novinho que ele era, presumo que tinha três anos quando recebeu as primeiras influências, contrário à ligação e ao desejo do Trava de tomar a soberania do espaço galaico-portucalense, arranjou uns amigos fidalgos que armaram uns guerreiros que lutaram contra o exército da mãe derrotando-o na célebre Batalha - há quem lhe chame Torneio - de S. Mamede, um campo próximo do Castelo.
Claro que se andou nisto alguns anos, fugido com o arcebispo e com D. Egas Moniz - há quem escreva na história que talvez seja ele o pai do futuro rei - até receberem o perdão da mãe Teresa. Com umas traições pelo meio, mas são já outras histórias. Certo é que devido a esse primeiro passo acabou por nascer Portugal.

O Castelo também serviu de Cadeia no séc. XVI e palheiros do Rei no século seguinte. Esteve quase a ser destruído em 1836 pela Câmara para apagar a imagem de prisão dos fieis de D. Pedro IV durante as Lutas Liberais. Foi salvo por 1 voto.
É Monumento Nacional.

Próximo do Castelo a Igreja ou Capela de S. Miguel do Castelo. A lenda diz que D.Afonso Henriques, o nosso primeiro, foi nela baptizado o que é impossível visto o templo ter sido sagrado pelo Arcebispo de Braga em 1239 e a sua construção de indefinida data será das primeiras três décadas do séc. XIII.
O estudioso de arte românica Manuel Monteiro concluiu que se trata de uma construção um tanto ilegal devido à simplicidade da capela e outros pormenores que o levaram a essa conclusão.
Talvez por isso, houve oposição do Arcebispo de Braga (terá sido Silvestre Godinho ?) à Colegiada de Guimarães, os autores da construção, chegando a haver troca de armas.

Na parte inferior da colina no sentido do centro da Cidade, encontramos o Paço dos Duques de Bragança, imponente casa senhorial mandada construir no séc.XV por D. Afonso, futuro Duque de Bragança, filho ilegítimo do rei D. João I, que aqui viveu com a segunda mulher D. Constança de Noronha.
Foi progressivamente abandonado entrando numa quase ruína até ao séc. XX. Entre 1937 e 1959 realizou-se um ampla e complexa intervenção de reconstrução segundo um projecto do Arquitecto Rogério de Azevedo. Paralelamente foram adquiridas peças que compõem o recheio actual, datadas principalmente dos séc. XVII e XVIII.
Monumento Nacional desde 1910, integra um museu, uma ala destinada à Presidência da República e uma área destinada a eventos culturais.

Do outro lado da colina fica o antigo Convento de Santo António dos Capuchos edificado no séc. XVII. Foi comprado pela Misericórdia em 1842 para instalar o seu Hospital. Hoje é Museu e segundo me informaram também uma clínica privada.

Tudo o que escrevi nestas três postagens foi colhido em variadíssimas páginas. Também tentei cruzar dados e daí algumas dúvidas. Acabei por não perceber quantos Mosteiros a Senhora Mumadona Dias mandou construir.

Claro que a "corda dada aos meus pedantes" foi accionada pelo Zé Ferreira. Ele sabe muito mas raramente se abre.

Ainda houve luz para subirmos ao Monte da Pena. Mas isso é outra história e é já a seguir.

Fica um apelo, visitem Guimarães. Vale a pena.