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domingo, 25 de dezembro de 2016

263 - Natal, a pior época do ano

Democraticamente, permitam-me que titule esta publicação tão negativamente. Mas seria como uma espécie de espírito faccioso se escrevesse o contrário. Claro que esta minha impressão já não é de agora. Tantos anos a ver e a ouvir todos os dias injustiças, misérias, guerras, atrocidades, crianças desprezadas, mortas e violadas, corrupção; políticos que pedem votos (e há os que nem sequer pedem) ao Povo que é uma coisa que existe e por causa deles há 191 países no mundo. E então nesta época distribuem-se votos de bom natal a torto e a direito, esquecendo o que fizeram (fizemos) ao longo dos anos.
O Natal já não me diz nada, mas conservo recordações.

Leio o que Frei Bento Domingues O.P. escreveu no jornal Público de ontem: o dia 25 de Dezembro não celebra o aniversário histórico do nascimento de Jesus de Nazaré. Foi a Igreja de Roma que fixou esta data como réplica pastoral à festa solar pagã do Natalis Invicti, festa de inverno no Hemisfério Norte. 
Foi uma bela astúcia. Procurava destronar a heliolatria, o culto do sol, pela celebração do nascimento de Jesus Cristo, o verdadeiro Sol Invencível, a luz da justiça e da graça.
Se o Natal é decisão romana, a Epifania, a 6 de Janeiro, é de origem oriental: celebram ambas a mesma realidade, a manifestação do Deus humanado.
Deus Sol Invicto
Disco de prata romano do século III d.C., encontrado em Pessino, atual Turquia 
(exposto no museu britânico).
Em https://pt.wikipedia.org/wiki/Natal,  podemos ler: A palavra Natal do português já foi nātālis no latim, derivada do verbo nāscor (nāsceris, nāscī, nātus sum) que tem sentido de nascer.
Como adjectivo, significa também o local onde ocorreu o nascimento de alguém ou de alguma coisa. 
Como festa religiosa, o Natal, comemorado no dia 25 de Dezembro desde o Século IV pela Igreja ocidental e desde o século V pela Igreja oriental, celebra o nascimento de Jesus Cristo e assim é o seu significado nas línguas neolatinas. Muitos historiadores localizam a primeira celebração em Roma, no ano 336 d.C, no entanto parece que os primeiros registos da celebração do Natal têm origem anterior, 
na Turquia, a 25 de Dezembro, já em meados do séc II.

Respeito o simbolismo para com a imagem cénica do Presépio e das Figuras que o compõem. Oxalá toda a humanidade o respeitasse. Essa humanidade criou e alimenta a figura gorda e de vermelho e chama-lhe Pai Natal ou outro conforme o País sendo o principal chamariz para o comércio. É verdade que é preciso venderem-se produtos para que hajam empregos e impostos para os Estados. E claro, lucros para os patrões, principalmente os grandes que tudo fazem para atrair as multidões ao consumo.

Trabalhei numa Empresa desde 3 Novembro de 1959, (ainda com 13 anos e durante 19 anos) que gratificava nesta época os seus colaboradores com uma semana de ordenado limpo, sem descontos,  e no final do ano distribuía um "envelope mistério" pelos chefes. Lembro-me que recebi 50 escudos nesse meu primeiro Natal e mais 50 escudos no fim do ano juntamente com os 200 escudos do meu ordenado. Era eu um rapazinho, profissionalmente catalogado paquete de escritório, um faz tudo, que estava a iniciar a sua carreira de trabalhador. Uma Empresa que não precisou do 25 de Abril para pagar o 13º mês. Era o espírito de Natal ?

Fui ensinado desde menino a gostar do Natal. A vida de criança do meu Pai foi tão má que provavelmente terá sido em adulto que ele se vingou do que nunca teve. Desde o princípio de Dezembro, deleitava-se a fazer a árvore e o presépio com tantos pormenores e decoração (o estábulo feito em madeira e ramos de arbustos, durou anos, com um ou outro ligeiro conserto). As luzes eléctricas, as bolinhas e outros figuras, os adereços - fios de cores, como se fossem raios das estrelas, e algodão em rama para fingir de neve - deixavam-me extasiado. Mas era na noite da consoada, que chegava o Pai Natal no meio de muito barulho com um brinquedo, logo guardado à chave num armário para ser usado só quando a mãe deixasse, o que era raro.
Recordo-me de três: Uma moto com side-car; um carocha amarelo e uma rodinha de feira com aviões. Tudo mecânico que para funcionar era preciso dar-lhes corda. Nunca soube onde e como acabaram esses brinquedos.

Das refeições natalícias lembro-me perfeitamente: Bacalhau com batatas e várias espécies de couves tudo cozido; os doces consistiam nas rabanadas, leite creme, aletria com ovos. Muito mais tarde incluía-se em minha honra creme de chocolate. Havia o Bolo Rei, com os respectivos "brinde" e "fava".
O Bolo Rei tem a sua história em https://pt.wikipedia.org/wiki/Bolo-rei
A sua origem parece que remonta ao tempo dos romanos

Brindes e Favas. Todos os Bolos-Rei tinham um e uma. E a quem saísse em sorte a fava tinha duas alternativas: Ou engolia-a, o que deveria ser difícil, ou pagava o Bolo-Rei do Ano Novo.

No dia 25 não lembro o que a mãe cozinhava. No ano de 1961 já não tivemos a minha avó à mesa. Foi a enterrar nesse mês, na véspera do meu aniversário. Depois a idade foi aumentando, chegou o tempo do serviço militar e a guerra do ultramar. Depois...
A vida deu muitas voltas a época foi perdendo a tradição e a minha revolta aumentou.

Recordando o dia 24 de Dezembro de 1968. 
Após um levantamento de rancho em finais de Outubro desse ano (os soldados negaram-se a comer por causa da má qualidade da comida) na unidade militar em África onde estava adido, vieram mais ou menos à luz do dia boatos - que já não o eram na realidade - de actos de corrupção, conluio e proveito próprio. Visados principalmente dois oficiais e um primeiro sargento que nada sofreram após um inquérito.
Fui nomeado vago-mestre, (do alemão Wagenmeister, responsável pelas refeições dos soldados), apenas ligado ao novo capitão da Companhia. Ainda hoje me gabo da boa gerência que fiz e do dinheiro que sobrou entregue à companhia, que parece ter distribuido em prendas pelos soldados.
Mas voltemos ao dia 24. Tinha dezenas de kilos de bacalhau em armazém, de que ninguém gostava, ou fosse porque não sabíamos confeccioná-lo ou por outra razão qualquer. Mesmo assim, resolvi fazer uma consoada simples, com frescos vindos de Bissau por via aérea.
Acontece que a messe de sargentos, na altura gerida pelo Dias, o fotógrafo, resolveu dar arroz com salsichas como refeição da noite. Nunca ouvi tantas pragas atiradas ao Dias.
Eu à direita e o Quim Mendes 
O Quim Mendes, artilheiro de grande prestígio, chorava como um menino a quem tiraram uma prenda. Era a tradição que não tinha sido.
Eu tinha mandado cozer umas postas de bacalhau a mais para a eventualidade de oficiais e sargentos quererem manter a tradição da consoada.

Mas voltemos ao presente, esqueçamos a época natalícia, e deixem-me relembrar muito fugazmente o ano prestes a acabar que não tendo sido muito bom para mim, deixou alguns bons momentos.

Em Abril tive o prazer de conhecer pessoalmente muitos camaradas com quem me correspondia .
Muitos outros já nos conhecíamos. 
Mas há um momento emocionante quando encontro o Manuel Ribeiro, camarada com quem estive em Catió há 48 anos. O Zé Ferreira e o Teixeira Presidente apadrinharam o acto.
Manuel Ribeiro é o primeiro sentado, a olhar para o Zé Ferreira, já com um grão na asa. Por trás dele encontra-se o Valente de que falarei mais à frente. Os dois da direita, em pé, já faleceram. O último da esquerda, o Pina, encontrou-se há dias com camaradas em Lisboa.
O Ribeiro à esquerda, agora juntos com o Eduardo Campos. 

Em Junho reencontrei passados também 48 anos, o Valente e o Silva ambos da Companhia 1689 do grande amigo José Ferreira, também presente na foto entre eles.

Em Setembro reencontrei o José Abreu - à esquerda, e o Engelha, nome de guerra de outro camarada que conheci em Catió. Já havia estado com ele uma vez em 2007, mas mal falamos. É o segundo à direita.

Finalmente, um reencontro porque lutei e que o camarada Diniz Faro realizou. Os comandantes de Curso e Bateria - ou Bataria - do 2º turno de 1967. Na foto durante o almoço que aconteceu há dias em Lisboa. Agora generais, ladeados pelo Quim Mendes e o Faro.
O Pina esteve neste encontro.

Por último, tive o prazer de ver o meu grande amigo e camarada José Ferreira a realizar o seu sonho:
A publicação do primeiro volume do seu livro de Memórias Boas da Minha Guerra. Parabéns Zé Ferreira.

Mas quero conservar um pouco o espírito do Natal antigo. Os meus amigos e camaradas merecem que eu não seja tão pessimista. Mas tenho de lhes pedir que me desculpem se dedico um abraço muito especial ao Manuel Cibrão Guimarães, ao Manuel Fernando Súcio, ao Ricardo Figueiredo e ao José Ferreira.
Um também especial para o Teixeira Presidente, pois se não fora ele talvez não conhecesse parte dos camaradas que também são amigos. E sem amigos é que não há mesmo Natal.