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sábado, 25 de fevereiro de 2017

267 - À descoberta do Porto com o Prof. Germano Silva. Nº 2

Reproduzindo na íntegra as crónicas do Prof. Germano Silva no Jornal de Notícias recolhidas no blogue cadernosdalibania.blogspot.com e mostrando fotos por mim obtidas dos locais que ele refere, espero conseguir dar a conhecer melhor a Cidade do Porto. Os textos em itálico são os únicos de minha autoria e servem para identificar as fotos.
Espero que o Professor não leve a mal esta minha ousadia.

O MORGADIO DO CARREGAL
Criado em 1492 por João Martins Ferreira no sítio de que tomou o nome
O palacete da Travessa do Carregal onde agora funciona um desses modernos hotéis que aqui no Porto crescem como cogumelos foi, em tempos não muito distantes, a resi­dência dos Vilarinho de São Romão; albergou, depois, um asilo da infância; e ser­viu, posteriormente, de sede ao Conserva­tório de Música do Porto. Mais recentemen­te, ainda também por lá passou um colégio ligado a uma entidade religiosa. (Na época da foto há três-quatro anos ainda lá estava). 
Mas a história do local e dos Vilarinho de São Romão remonta, pelo menos, ao sécu­lo XV, desde quando, em 1492, um tal João Martins Ferreira ali instituiu o morgadio do Carregal. Naqueles recuados tempos, o sítio ficava distante da cidade medieval. João Martins Ferreira habitava, então, uma casa-torre.
A área ocupada, digamos assim, pelo mor­gadio era enorme. Abrangia, tomando como referência a zona urbana dos nossos dias, o espaço compreendido entre as ruas de Ce­dofeita, Miguel Bombarda, Rosário, Restau­ração e o Largo do Prof. Abel Salazar. (na foto do Google é localizado mais ou menos, com 3-4 à direita)

Rua de Cedofeita

Rua de Miguel Bombarda

À direita, Rua do Rosário. À esquerda Rua D. Manuel II, antiga Rua dos Quartéis.

 Duas imagens da Rua do Rosário

Rua da Restauração. Pormenor junto ao Hospital de Santo António. 
À esquerda um belíssimo miradoiro sobre Miragaia e o Rio Douro 

Largo do Prof. Abel Salazar

Qualquer bom dicionário dará de morga­do a seguinte definição: "vínculo indivisível e inalienável que passa, numa família, de pri­mogénito em primogénito, mas sempre em linha reta varonil". E a estes vínculos, acres­centamos nós, andavam ligados muitos e rendosos proventos. Isto para dizer que João Martins Ferreira era um homem muito rico e pessoa assaz influente na sociedade do seu tempo. 

Bom, mas do que nos propomos falar, aqui, na crónica, é do sítio e da sua evolução urbanística. Como o leitor facilmente já con­cluiu, Carregal é topónimo muito antigo. Os especialistas na matéria dizem que a palavra tem origem numa erva gramínea, chamada carrega, que cresce em terrenos onde abun­da a água. Outrora, o topónimo identificava um Carregal de Cima e um Carregal de Bai­xo, referidos em documentos de 1581 e 1660, respetivamente; uma rua; um jardim; uma travessa e uma calçada. Subsiste, hoje, so­mente nestas duas ultimas artérias. 
Ao jardim, o povo ainda continua a chamar-lhe do Carregal. Oficialmente, porém, a sua denominação é Jardim de Carrilho Vi­deira
 Pormenor do Jardim do "Carregal".
Ao lado o Hospital de Santo António, edifício primitivo.

Este nome foi atribuído já depois da implantação da República. Evoca a figura de José Carrilho Videira, jornalista e ativo pro­pagandista dos ideais republicanos. Antes, na monarquia, o jardim ostentava o nome do Duque de Beja. Mas, repetimos, é por jardim do Carregal que toda a gente o conhece e identifica. A tradição continua a ter muita força. 

Já agora, uma alusão, rápida, à capela exis­tente também na Travessa do Carregal e que integrava o solar dos Vilarinho de São Ro­mão. Era da invocação de Santo António ­capela de Santo António do Carregal, era este o seu nome oficial. Escrevemos "era" porque, na verdade, já não é. Transformaram-na num bar, ou coisa do género. (Capela Incomum)

Antes da existência do jardim, que é re­lativamente recente, o terreno baldio era atravessado pela água de um ribeiro que corria a céu aberto. Hoje, a água continua a correr, mas encanada, e o encanamen­to passa por baixo do edifício do Hospital de Santo António. Trata-se do chamado rio Frio ou do Carregal, que nasce num lo­cal compreendido entre as ruas de Cedo­feita e da Torrinha.
Ruas de Cedofeita e da Torrinha à direita.
Rua da Torrinha à esquerda; Rua de Cedofeita à direita

Fonte do Rio Frio e a Quinta das Virtudes. 
Ao fundo a nova ala do Hospital de Santo António.

O Rio Frio atravessa a quinta das Virtudes e desagua no rio Douro, debaixo do edifício da Alfândega.
Pormenor da Quinta das Virtudes. Ao alto o Hospital de Santo António.
Miragaia, pormenor da Quinta das Virtudes e junto ao Rio Douro, a Alfândega.

Devido à cir­cunstância da passar pela referida quin­ta, o pequeno curso de água também apa­rece, por vezes, designado como ribeiro das Virtudes e rio de Miragaia. 

O jardim é de 1857. Neste ano, a Câma­ra negociou com a Santa Casa da Miseri­córdia do Porto a compra dos terrenos que ficavam defronte da ala norte do edi­fício do hospital. E ajardinou-o. Havia por ali uma rua que tinha o nome de D. Pedro V. Esse arruamento desapareceu com a criação do jardim.
Quando, mais tarde, se abriu uma rua nova nas antigas azenhas de Vilar, que ficou a ligar a Rua de Vilar a Massarelos, a Câmara deu-lhe o nome de D. Pedro V.
A actual Rua de D. Pedro V em Massarelos

A antiga Rua do Carregal era a que hoje tem o nome do Prof. Vicente José de Car­valho. Corre entre os edifícios da antiga Faculdade de Medicina, em cuja parede existe um medalhão com a efígie daque­le mestre, e o do Hospital de Santo Antó­nio.
Hospital de Santo António e em frente (foto abaixo) a antiga Faculdade de Medicina
(Hoje Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar)

A rua que hoje tem o nome de Cle­mente Meneres, grande impulsionador da agricultura transmontana, tinha o nome de Rua do Duque de Beja e também o de Rua do Paço, não sabendo nós que paço seria este. 

Jardim do Carregal. Ao fundo a Rua Clemente Menéres.
No entanto existe uma travessa ou calçada com a toponímia Paço que começa na Rua de Clemente Menéres, mas está entaipada nas duas saídas, uma delas que seria para a Rua do Rosário.

A abertura da Travessa do Carregal obedeceu ao célebre plano de melhora­mentos de 1784, do tempo, portanto, dos Almadas. Determinava esse documento que se continuasse a abertura da traves­sa que havia de ligar os Ferradores (Praça de Carlos Alberto) com o bairro dos quar­téis (Rua de D. Manuel II) através dos ter­renos oferecidos por Custódio Ferreira Carneiro de Vasconcelos, que era, à altu­ra, o morgado do Carregal.
Ferradores, actual Praça de Carlos Alberto. Em frente é a Rua de Cedofeita e logo à esquerda a Travessa do Carregal.

Bairro - Rua dos Quartéis, actualmente denominada de D. Manuel II.

História do sítio do hospital
 A Nova Ala do Hospital de Santo António ao cimo da Rua de D. Manuel II
O Edifício do Hospital de Santo António
O terreno onde foi cons­truído o edifício do Hos­pital de Santo António fazia parte do Casal do Robalo, uma propriedade rústica, foreira à Mitra -ou seja, que pagava ren­da ao bispo - e integra­va, patrimonialmente, o antigo Casal do Carregal de Baixo. A Santa Casa pagou pelo terreno 5.290$000 réis, mas a escolha do local para a construção do edifício para hospital não reuniu consenso. O sítio, atra­vessado pelo rio Frio, ou das Virtudes, ao longo do qual as carregas cres­ciam a esmo, era panta­noso, pejado de mosqui­tos, pouco indicado, por­tanto, segundo a opinião de pessoas daquele tempo, para a constru­ção de um edifício desti­nado a tratar doentes.
O projeto, apesar de tudo, foi por diante e o Hospi­tal de Santo António é hoje um dos mais belos e monumentais edifícios da cidade.

O Duque de Beja era o infante D. João filho de D. Maria II.

Publicado no Jornal de Notícias de 19 de Fevereiro de 2017.